Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

Família Scolari, suplicante lhe peço minha nova inscrição



Você, leitor, sabe do apreço que tinha este colunista pelo estádio caindo aos pedaços, aquele banheiro em que a arte se manifestava na performance coletiva de centenas de bêbados a urinar na mesma canaleta, cada qual lutando pelo espaço que lhe permitisse tirar a água do joelho, em disputas ombro-a-ombro e entradas por trás – sem, no entanto, em tempo algum, atingir o adversário com seu jato desleal.




Este colunista é saudoso do copo de mijo voador, desculpe essa minha incontinência urinária – mas é que, sabedor do corpo a corpo que se dava no lavabo, pessoas de melhor senso optavam pela dispensa por vias aéreas. E assim se dava o furdunço e o delírio coletivo, aquela confusão danada, cerveja morna, bandeira pra todo lado, camisa falsificada, descarrego de igreja evangélica, gente saindo pelo ladrão. Hoje é tudo Adidas e mármore de carrara – onde foi que erramos?
Embarco neste submarino do tempo apenas porque Felipão me remeteu diretamente ao Titanic. Me vi bailando na sala de casa, feliz por não ter vindo um Rogério Ceni, enquanto o iceberg obviamente se aproximava. Pqp, pensei com meus malcriados botões. Não é que estávamos sendo conduzidos pelo último modelo da Tesla, mas também não precisávamos voltar ao Opala Diplomata.
Felipão era o próprio copo de mijo voador. Enquanto nos digladiávamos como selvagens da arquibancada, superlotados, o rabo calejado no concreto impiedoso, o pavilhão tremulando sob a batuta de mil filhos de vidraceiros, a veia estufada no pescoço a serviço do apoio total e irrestrito, lá embaixo Big Phil levava tudo no fio do bigode. Na distribuição das camisas, só rivalizava com o Luxa, uma estante acima do Joel Santana, duas do Celso Roth.
A tática do Felipão era deixar que trabalhasse por si só a malemolência brasileira – enquanto isso, como um pastor, fixava-se na exaltação da família. A Família Scolari! Levou assim a Copa do Mundo de 2002, embora sua maior proeza tenha sido a de fazer-se tão importante para a conquista quanto os 4Rs – Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Roberto Carlos.




Felipão só veio a se tornar um herói de verdade para este colunista inimigo da CBF (calunista, a bem da verdade), co-fundador do movimento Corrente Pra Trás, ao tomar de 7 da Alemanha – quando decidiu apostar em alegria nas pernas como tática eficaz para enfrentar a estratégia alemã para o futebol moderno. Em pleno Mineirão, essa casa de santo, escolheu deixar no banco São Victor, e levar à disputa aquela mão de alface que na ocasião jogava no futebol amador do Canadá. Por essa grande atuação, Big Phil deixou sua marca na calçada da fama do CPT.
A guinada radical para esse estado lamentável de coisas se deu há poucos dias, quando surgiu o Felipão naquela beca da Adidas, o escudão do Galo do lado esquerdo do peito. Aí é sacanagem. De forma instantânea, a imagem fez ativar alguma serotonina neurotransmissora, e numa fração de segundos pude perceber como a minha opinião construída em décadas de estudos e observação do ludopédio não passava de um erro crasso, um equívoco inequívoco, o racismo reverso contra o homem branco, hétero, sulino e de olhos verdes.
De repente se descortinou a verdade dos fatos: temos agora o maior treinador vivo da história do futebol mundial, o professor do Abel e do Jorge Jesus, aquele que Guardiola nunca será, porque nunca levantou nem levantará a Copa pela camisa mais pesada do mundo, a amarelinha que só vestiu o patriota do caminhão por um descuido já ultrapassado na contação da História.




Segundo um tuíte que não sei quem escreveu, cuja fonte seria a fonte da praça da Liberdade, Felipão se reinventou há poucos anos, e desde que assumiu o Athletico do Paraguai vem se mostrando tão ou mais revolucionário do que qualquer um de seus aprendizes, Guardiola incluso. Não há nenhuma dúvida de que tal fato se verifica, e a prova disso está impressa na foto de Big Phil vestido de Atlético.
Todo mundo de Atlético fica bonito. E o manto sagrado tem a qualidade de revelar o gênio incompreendido. Foi assim com Ronaldinho, será assim com Felipão. Família Scolari, suplicante lhe peço a minha nova inscrição.

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Foi tarde o péssimo Allan. Fomos enganados pelo truque da capa – o milagre foi o manto, a verdade é uma perna de pau.