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ENTRE LINHAS

Dois meses para evitar um colapso político-administrativo a partir de 2023

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Que ninguém se engane: a primeira tarefa da transição iniciada ontem sob a coordenação do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin é evitar um colapso político-administrativo do governo federal em razão da ruptura de políticas em curso, uma vez que a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva significa a retomada de um projeto nacional centrado em três grandes eixos: a construção de um Estado democrático ampliado, permeável à participação da sociedade; a retomada do desenvolvimento, em novas condições de sustentabilidade, numa economia globalizada; e o combate às desigualdades, com o objetivo de erradicar a miséria e promover a inclusão social. O governo Bolsonaro tinha metas diametralmente opostas.





Qual é a base real para que o colapso não aconteça? Primeiro, o diálogo entre quem sai e quem entra, para que se estabeleçam níveis básicos de cooperação. De certa forma, o encontro entre o presidente Jair Bolsonaro, depois de seu apelo para que os caminhoneiros liberassem as estradas, e Geraldo Alckmin, ontem, foi auspicioso, não importa o teor da conversa. Com a derrota eleitoral, o governo Bolsonaro acabou, mas seu mandato ainda não.

É preciso um mínimo de entendimento, mesmo se sabendo que não haverá diálogo entre o atual presidente e o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, por absoluta incompatibilidade de gênios, como diria o falecido compositor Aldir Blanc. Todos os sinais de Bolsonaro são de que não pretende passar a faixa para o sucessor no Palácio do Planalto. Do ponto de vista institucional, é apenas um gesto simbólico; Lula será diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e será empossado pelo Congresso.

Segundo, o colapso pode ser evitado porque as funções essenciais do Estado são asseguradas pelos órgãos encarregados de normatizar, arrecadar e de coerção, os quais não seguem apenas a orientação política do presidente da República, mas regras estabelecidas pelo Congresso, que são dirimidas, em casos litigiosos, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O processo eleitoral, no decorrer de um ano muito turbulento, confirmou o que já se dizia antes: temos instituições fortes, que resistiram aos assédios dos setores que defendem um regime autoritário.





Nas áreas essenciais para o funcionamento do governo, uma burocracia estável e bem preparada opera a administração pública sob o manto da ética da responsabilidade. As exceções já são conhecidas e seus protagonistas estão identificados, não têm força para obstruir a transição a ponto de pôr em colapso essas atividades essenciais, entre as quais a defesa da ordem.

CAPACIDADE DE SOBREVIVÊNCIA


Terceiro, o fato de que existe uma classe política cuja capacidade de sobrevivência e adaptação às circunstâncias foi mais uma vez comprovada nas eleições. É inegável o fortalecimento dos partidos do Centrão, o que exigirá negociações duras em relação a temas sensíveis do Orçamento. Onde há política, há esperança de soluções negociadas e positivas. Segundo Alckmin, haverá continuidade, planejamento e transparência na transição, o que significa acesso da imprensa às negociações e acompanhamento por parte da opinião pública. O xis da questão é encontrar um ponto de equilíbrio entre a responsabilidade fiscal e as demandas sociais mais urgentes, entre as quais a manutenção do Auxílio Brasil no valor de R$ 600, que não está previsto no Orçamento de 2023.

Luiz Inácio Lula da Silva não terá a tradicional trégua de 100 dias para se instalar no Palácio do Planalto e começar a governar. Foi eleito por estreita margem de votos, sua vitória continua sendo contestada por boa parte dos eleitores de Bolsonaro, uns porque são ideologicamente de extrema-direita, outros porque são antipetistas roxos. A reversão das expectativas que criou na campanha eleitoral, junto àqueles que mais necessitam do apoio do governo federal, pode mudar rapidamente a correlação de forças políticas, transformando o sentimento “era feliz e não sabia” que o trouxe de volta ao poder num bumerangue.





Qual o antídoto contra isso? Não é uma política populista, porque essa receita foi praticamente esgotada pelo presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral, na qual gastou-se muito mais do que se deveria. O verdadeiro antídoto é a construção de um governo de ampla coalizão democrática, tarefa pessoal e intransferível do presidente eleito. Os primeiros sinais de que o novo governo terá esse caráter estão visíveis: a composição ampla da equipe de transição, as negociações com os caciques do Centrão, a valorização da aliança com os partidos, e não a cooptação de seus integrantes para compor o novo governo.

O ex-presidente Lula é um líder político experiente, com capacidade de negociação, sabe perfeitamente quais foram os erros que cometeu no poder. A lógica é não repeti-los. A cúpula do PT, encabeçada por Gleisi Hoffman e Alozio Mercadante na transição, também tem experiência política e administrativa, sabe que não vale a pena cotovelar os aliados para ocupar todos os espaços no futuro governo, pois já têm a Presidência e o controle das posições mais estratégicas e importantes.