Estado de Minas 90 ANOS

Como as ruas se tornaram palco de cria��es art�sticas que mudam BH

Centro e periferia apostam em novas linguagens


postado em 15/06/2018 06:50 / atualizado em 14/06/2018 19:33

As grafiteiras mineiras Carol Jaued e Nayara Gessyca Moreira levam arte para as áreas marginalizadas de Belo Horizonte (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
As grafiteiras mineiras Carol Jaued e Nayara Gessyca Moreira levam arte para as �reas marginalizadas de Belo Horizonte (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Belo Horizonte � a cidade que poderia ser?

Tal pergunta come�ou a ser feita, ainda de forma t�mida, na d�cada passada. E a resposta vem sendo constru�da aos poucos. A cultura tem papel fundamental em Belo Horizonte, uma cidade que mais recentemente (re) aprendeu a se gostar. A rua – e a (re) descoberta dela – foi central nesse processo.


“A experi�ncia da Praia da Esta��o (movimento iniciado em 7 de janeiro de 2010, como rea��o ao decreto da prefeitura que proibia eventos na Pra�a da Esta��o) abre clareiras numa cidade marcada pelo planejamento. Na �poca, n�o sab�amos o que ia acontecer. E o papel da cultura � este de fazer provoca��es, da imprevisibilidade”, afirma o historiador e m�sico Guto Borges.


Paulo Nazareth criou obra no Bairro Veneza, na periferia de BH, para a Bienal de Veneza, na Itália(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Paulo Nazareth criou obra no Bairro Veneza, na periferia de BH, para a Bienal de Veneza, na It�lia (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Um dos nomes � frente do momento em que BH foi para a rua e descentralizou sua produ��o cultural (e que tem hoje no carnaval sua maior celebra��o), Borges, como integrante da banda indie Dead Lover’s Twisted Heart, participou do coletivo OutroRock. “O circuito nacional Fora do Eixo, incentivado pelo governo federal na gest�o de Gilberto Gil no Minist�rio da Cultura (2003-2008), fez as bandas conhecerem outros lugares, outras cidades. Isso nos fez vislumbrar que tamb�m t�nhamos de ser artistas da nossa cidade e que ela ia muito al�m dos ambientes privados.”


A partir de 2005, artistas arrega�aram as mangas e realizaram seu pr�prio festival em pra�as de BH. OutroRock reuniu bandas em ascens�o no final da d�cada passada. Graveola e o Lixo Polif�nico era uma delas. Marco da produ��o independente de BH, o Graveola soma 14 anos. “O grupo � o resultado do contexto complexo que havia na �poca”, afirma o guitarrista e vocalista Jos� Lu�s Braga, referindo-se n�o s� ao cen�rio pol�tico-social do per�odo, como ao mundo digital. “A ascens�o das redes sociais mostrou que as informa��es poderiam ser acessadas de diferentes formas”, observa. Isso acarretou, na opini�o de Braga, “crescimento da autoestima dos artistas e quebra de barreiras.” Algo que o hip-hop j� vinha tentando. Em 2007, o coletivo Fam�lia de Rua, organizador do Duelo de MCs, criou as batalhas musicais no Viaduto Santa Tereza. “At� ent�o, o hip-hop era muito perif�rico. Hoje a produ��o est� intensa, inclusive fonogr�fica. O Djonga �, dos novos artistas, o que mais tem repercuss�o fora do estado”, atesta o rapper Roger Deff. Depois de 20 anos como integrante do grupo Julgamento, ele se lan�ou, h� tr�s, em carreira solo.

 

Ainda que o Baixo Centro seja o principal palco da produ��o cultural contempor�nea de BH, vale dizer que desde os anos 1990 j� havia movimenta��o naquela regi�o, embora com outro perfil. “S�o momentos distintos. Naquela �poca houve a ocupa��o (da Pra�a da Esta��o e seu entorno) por iniciativa do poder p�blico”, lembra Marcos Boffa. Ele se refere � Esta��o da M�sica, que, em 1992, trouxe bandas novas como o Planet Hemp � cidade e desencadeou, em 1994, o BH Rock Independente Fest, ambos eventos promovidos pela prefeitura. Boffa produziu esses dois projetos.

Mais tarde, Boffa dirigiu o Eletronika. O festival teve seu auge entre 2000 e 2004, com edi��es na Casa do Conde (atual Funarte), Cine M�xico e Parque Municipal. “Era quase como uma interven��o, coisas mais esparsas realizadas por um grupo de produtores trazendo luz para espa�os da cidade. O Eletronika era um projeto com lei de incentivo, tinha dinheiro p�blico. J� Praia da Esta��o, Masterplano e outros coletivos de festas atuais ocupam espa�os centrais com a proposta de n�o ser apenas algo eventual”, acrescenta Boffa, diretor de planejamento e inova��o da Belotur.

Para Tadeus Mucelli, o Tee, que realizou neste semestre, no Rio e em BH, a edi��o de estreia no pa�s da Bienal de Arte Digital, Minas Gerais assistiu, na primeira d�cada dos anos 2000, a duas grandes “institucionaliza��es”: a cria��o de Inhotim (2006) e do Circuito Cultural Pra�a da Liberdade (2010). “Foram lugares pensados estrategicamente para a cultura. Eles s�o fortes, mas n�o representam a totalidade do que � produzido aqui. O novo est� no Centro, na Zona Leste, nas periferias.”

De acordo com Tee, a linguagem digital vem trilhando esse caminho. “Definida como arte de nicho at� a metade dos anos 2000, atualmente � dif�cil voc� ter obras que n�o estejam sob a influ�ncia dos processos digitais. A arte digital ‘invadiu’ todos os meios de express�o, seja a m�sica, dan�a, moda. N�o h� mais uma divis�o”, acrescenta Tee.

A abertura da capital para iniciativas culturais que fogem de modelos preestabelecidos � fruto ainda da mudan�a de conceitos. Na d�cada passada, seria impens�vel em BH o coletivo Minas de Minas, de quatro grafiteiras (o �nico com esse perfil em atividade no pa�s). “Quando come�amos, em 2012, s� havia n�s quatro e outras tr�s mulheres no grafite de BH”, lembra Carolina Jaued, a Krol. Ela, Musa, Nica e Viber escolheram o Centro de BH como principal espa�o para realizar seu trabalho.

“Tamb�m atuamos em bairros,mas percebemos que a localiza��o central atenderia mais pessoas. Levamos o grafite para �reas ainda marginalizadas, como a Rua Guaicurus, para tentar mudar a visibilidade do espa�o. No Centro, passa gente de todos os n�veis sociais, ent�o achamos que ali nosso trabalho poderia dar uma ‘cutucada’ nas pessoas”, comenta Carolina, que, a despeito das mudan�as, considera BH “uma cidade ainda bem conservadora”. Por�m, admite: “As pessoas est�o conseguindo deixar de ver o grafite com o olhar da depreda��o.”

Performer h� 31 anos em atividade, Marcelo Gabriel lembra que na BH de outrora a cultura era mais concentrada. “S� existiam os teatros tradicionais, com palco italiano. Mais recentemente, houve um movimento interessante de trabalhos de pesquisa em palcos alternativos em outras regi�es da cidade. Quando enxergaram que se pode produzir cultura em qualquer lugar, a arquitetura cultural da cidade foi redesenhada”, afirma o core�grafo.

 

Fora do eixo e globalizada


Mesmo com as mudan�as, a BH de hoje ainda guarda muitos dos (pr�) conceitos do passado. “Embora muito pr�xima de S�o Paulo e Rio, ela ainda est� fora do eixo. O artista continua precisando sair da cidade para ter reconhecimento”, comenta Paulo Nazareth, citando como exemplo a artista pl�stica S�nia Gomes. Atuante em BH h� muitos anos, ela teve “reconhecimento tardio” – em 2015, foi a �nica brasileira a participar da Bienal de Veneza.

Nome de ponta da arte contempor�nea, Nazareth vem construindo sua obra a partir do local onde vive, o Bairro Palmital, em Santa Luzia. “N�o preciso morar em outro lugar”, diz ele, ao falar de sua cria��o art�stica. Paulo j� participou da Bienal de Veneza (It�lia), Bienal de Lyon (Fran�a) e da feira Miami Basel (EUA), entre outros eventos internacionais.

Situa��o semelhante experimenta a produtora Filmes de Pl�stico. Criada em 2009, � hoje a principal refer�ncia do cinema mineiro, com filmes exibidos nos festivais de Cannes e Bras�lia, por exemplo. Nasceu em Contagem, cidade de tr�s de seus quatro integrantes. Mesmo depois de se mudar para o Bairro Cruzeiro, na zona sul, a produtora continua rodando filmes na cidade vizinha. J� lan�ou 15 curtas e tr�s longas.


“N�o � uma regra, mas nossos filmes s�o em Contagem porque os roteiros sempre surgiram a partir da influ�ncia dos tr�s diretores (Andr� Novais, Maur�lio e Gabriel Martins), que nasceram e cresceram ali. Todos t�m familiaridade com aquele espa�o”, comenta o produtor Thiago Mac�do Correia, �nico “n�o contagense” do quarteto.


Claramente, a crise pol�tico-social brasileira vem influenciando a produ��o cultural. “A politiza��o da arte � um reflexo deste momento. Os movimentos negro, LGBT e feminista passaram a utilizar o teatro e a m�sica como uma forma de resist�ncia, de ativar a cidadania”, comenta o ator Cl�udio Dias, da Cia. Luna Lunera. O grupo teatral, em atividade desde o in�cio deste s�culo, come�ar� em breve o processo de sua nova montagem, que deve tocar em pontos-chave da atualidade brasileira. “Cada espet�culo reflete o momento de nossa experi�ncia com o mundo e a sociedade”, conclui Dias.


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