Estado de Minas O martírio de Dandara
Dandara não tinha medo de ser mulher
Dandara n�o tinha medo de ser mulher

O massacre de Dandara em Palmares

Covardia, socos, pedras e tiros calaram a alegria da travesti amada pela fam�lia e pelos vizinhos. Assassinos filmaram a execu��o em v�deo que se espalhou pelas redes sociais

Fl�via Ayer, Fred Bottrel - Enviados Especiais



Fortaleza – N�o passava das 5h quando Dandara Kataryne, de 42 anos, despertou no �ltimo dia 15. Pulou da rede onde dormia na sala de piso de concreto, passou o caf� e avisou � m�e que iria � casa de Vit�ria, tamb�m no Conjunto Cear�, periferia de Fortaleza. “Vai com Deus, meu filho”, respondeu dona Francisca. Pela manh� e no fim do dia, Dandara ajudava a vizinha e amiga de inf�ncia nos afazeres dom�sticos para ganhar uns trocados. H� alguns anos, o corpo franzino, fragilizado pelo v�rus HIV, contra�do em S�o Paulo, impedia-a de ir � Praia de Iracema atender a seus clientes.

Fred Bottrel/EM/DA Press


Por for�a do h�bito, nunca saia sem um punhado de camisinhas e de gel lubrificante nos bolsos de seus shortinhos. Mas a atividade n�o garantia mais o sustento. Ainda assim, Dandara mantinha o senso de humor e o carisma na estrutura raqu�tica de 50 e poucos quilos, distribu�dos em 1,72m. “Sou uma garota gostosa”, dizia. Al�m da autoestima, esbanjava humildade, sem se envergonhar de pedir esmola ao perambular com o rebolado pelas ruas do Conjunto Cear�


Fred Bottrel/EM/DA Press

 “Volto no fim do dia, minha deusa?”, perguntou Dandara, que tinha verdadeira fascina��o por Vit�ria Holanda, tamb�m de 42 – diferentemente de Dandara, a amiga conseguiu construir uma carreira e carrega no peito distintivo como investigadora da Pol�cia Civil do Cear�. “Pode vir sim, Cleilson”, confirmou. Dandara n�o voltou. Vit�ria s� a viu novamente num v�deo de 1 minuto e 20 segundos que, pelas redes sociais, ganhou o mundo e escancarou um problema negligenciado no Brasil, pa�s que mais mata travestis e transexuais em todo o planeta.

 

25 assassinatos este ano

Somente este ano, pelo menos 25 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, segundo a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans Brasil). Dandara, no Cear�, Rubi, em Goi�s, Agatha, em Bras�lia, Mirella, em Minas e tantas outras que sequer tiveram seus nomes identificados. No ano passado, foram 144 v�timas, segundo o relat�rio nacional do Grupo Gay da Bahia. As imagens do v�deo que rodou o mundo mostram algozes torturando com chutes e pauladas Dandara – nome de hero�na quilombola, mulher de Zumbi, adotado pela travesti aos 18 anos. Liderados por um adolescente de 17 anos, os agressores de Dandara colocam a travesti num carrinho de m�o e a levam para a execu��o, com dois tiros e uma pedrada.


O linchamento foi em plena luz do dia, na Rua Manoel Galdino, no Conjunto Palmares, Bairro Bom Jardim – a cerca de quatro quil�metros da casa de Dandara. Coincid�ncia ou n�o, Palmares � tamb�m o nome de um dos mais importantes quilombos do per�odo colonial, liderado por Zumbi. “Acredito que Dandara tamb�m ser� �cone para a liberta��o de uma classe”, afirma Vit�ria. Dandara dos Palmares tamb�m morreu em fevereiro, mas de 1694. Relatos apontam que ela teria se jogado de uma pedreira para n�o se render a militares e voltar � escravid�o.