Jornal Estado de Minas
entrevista/Bruno Barroso - 36 anos, fundador da Bora Experiências

Colecionador de experiências


 
“Quanto mais experiência tenho, mais experiências quero ter.” A frase da escritora Cris Guerra resume com exatidão a proposta da Bora Experiências. Fundada há cinco meses pelo empreendedor mineiro Bruno Barroso, a startup faz uma curadoria de atividades de bem-estar, cultura e gastronomia especialmente para o público com 50 anos ou mais (sem excluir as outras idades). Pessoas que já viveram de tudo, mas ainda querem sentir aquele frio na barriga ao experimentar e aprender o novo. Atualmente, a Bora oferece cerca de 30 experiências, todas em Belo Horizonte ou nas redondezas. Bruno quer que as pessoas se sintam turistas na sua própria cidade. O novo pode estar em meditar ao som do gongo ao pôr do sol, preparar um brunch com produtos orgânicos colhidos na hora em uma fazenda, fazer a sua própria joia ou degustar vinhos naturais em um casarão histórico. O plano é expandir o serviço para São Paulo ainda este ano e depois se instalar em outras capitais. 
 
Para começar, fale um pouco sobre você.
Sou formado em comunicação pela UFMG e, nos últimos 10 anos, fui empreendedor na área de impacto social. Passei pelo Inhotim, na área de captação de recursos, e por um programa de trainee da Unilever, com a ideia de trabalhar em uma grande empresa, mas rapidinho vi que não era o que queria para a minha vida.
Em 2011, eu e o meu sócio, Thiago Alvim, criamos a Nexo, que ajuda empresas a investirem melhor na área social. Depois nasceu a segunda empresa, a Prosas, que é uma plataforma para gestão do investimento na área social (ela faz todo o processo, desde abrir edital, escolher qual projeto apoiar até monitorar o que a organização está fazendo com o recurso). Hoje temos 160 mil usuários. Somos um grande mapa para encontrar oportunidades de captação de recursos.

Em qual momento você entendeu que era um empreendedor?
Foi muito no susto. Quando saí da Unilever, não sabia o que ia fazer da vida, só sabia que não queria trabalhar numa grande corporação. Venho de uma família de empreendedores. Meu pai é médico e empresário, criou uma negócio na área da saúde.
As minhas irmãs também empreenderam. No fundo, tenho uma veia desbravadora. Descobri ao longo da vida que sou um cara muito inquieto, curioso, que está sempre buscando coisas novas. Então, aos poucos, fui vestindo a roupa de empreendedor.

Quando você resolveu mudar de área?
Depois de 10 anos, as empresas estavam superbem, com 90 funcionários, atuando no Brasil inteiro, atendendo às maiores empresas do país, mas comecei a perceber que não estava feliz sendo gestor. Continuo como sócio, estou no Conselho, mas não era o queria para o meu dia a dia. Queria empreender de novo e em uma área completamente diferente. Gosto de cultura, arte, gastronomia, viagem e decidi que queria encarar isso como negócio, e não apenas hobby.

Como os temas envelhecimento e longevidade entraram na sua vida?
Moro em São Paulo há sete anos. Fomos selecionados com a Prosas para a primeira turma do espaço de startups do Itaú chamado Cubo e lá tive muito contato com pessoas que estudam sobre longevidade e envelhecimento populacional.
Já trabalhava com esses temas na Nexo. Fomos pioneiros no Brasil em trabalhar com o Fundo do Idoso e nos tornamos referência. Só que lá envolvia o idoso fragilizado, de asilo, e quando comecei a estudar esses temas, vi que não era só isso: estamos envelhecendo cada vez mais e melhor. Fiz umas 50 entrevistas com pessoas 50+ de alta renda, mulheres e homens, para saber: como é a sua vida, o que você gosta de fazer, como se enxerga nos próximos anos?. O que eles falam de etarismo e idadismo está em todos nós, temos vários preconceitos. Quando comecei a pensar em trabalhar com envelhecimento populacional, o meu projeto era de fralda geriátrica. Então, você vê o tanto que mudei de rumo. Na primeira entrevista, ouvi de uma médica: “Bruno, estou na melhor fase da minha vida, com muito mais dinheiro e saúde do que imaginava”. Ela disse que os filhos não dependiam mais dela e que queria viver. Adoraria fazer intercâmbio na Itália.
Isso foi um choque para mim, era a última coisa que esperava ouvir. As mulheres, principalmente, falavam que estavam em uma fase ótima, que tinham ficado a vida inteira cuidando dos outros e queriam cuidar delas, viver novas experiências, viajar, fazer pão, cerâmica, degustação de vinho. Esse foi o clique para criar a Bora.
 
Como você explica o trabalho da Bora?
Atendemos dois públicos com demandas complementares. A vida inteira estive em um lugar de conexão, de conectar a necessidade de um com a do outro. De um lado está o público que quer viver novas experiências, mas não sabe onde encontrar, não tem companhia, acha que tudo é para jovens. Do outro lado, está quem pode oferecer essas experiências, como os chefs de cozinha e as ceramistas, que não conseguem fazer isso com a frequência e a intensidade que gostariam porque não têm braço para executar. Dou o exemplo da ceramista, que está ali, literalmente, com a mão na massa, o tempo inteiro. Como vai atender as pessoas e responder às mensagens? Massimo Battaglini, que virou nosso sócio depois, recebe e cozinha muito bem, mas não tem tempo nem conhecimento de ficar desenhando uma experiência gastronômica. Igual a ele existem vários chefs. Ofereço esse braço e trago as experiências para um único lugar.
Tudo passa a fazer parte de uma rede de experiências.

Você mora em São Paulo, mas escolheu lançar a Bora primeiro em BH. Por que?
Escolhemos BH para ser o nosso mercado-piloto por vários motivos. Primeiro, porque a maioria dos sócios estão aqui (somos cinco, mas o fundador e quem está na operação sou eu). Segundo, falo que BH é uma potência, tem uma densidade de talentos que são referência nacional e mundial no que fazem, seja gastronomia, bem-estar e artes. Em terceiro lugar, BH é um tradicional mercado de teste de negócios. Além disso, BH é um ovo, então é muito mais fácil de chegar em quem oferece as experiências, quem compra, quem influencia. Já tinha essa rede de relacionamento. Espero ainda este ano expandir a empresa para São Paulo.

O que a Bora traz de interessante e diferente para o público? 
A Bora foi propositalmente pensada para nascer em um momento de pandemia, imaginando o que as pessoas vão querer viver pós-pandemia. No fundo, está todo mundo de saco cheio de ficar dentro de casa, de reunião on-line e sempre pensamos que as pessoas estariam sedentas para viver novas experiências. Um segundo ponto é que, com a pandemia, passamos a dar muito mais valor ao que está do nosso lado. Tem gente que só viajava para fora do Brasil e viu que existem coisas incríveis do lado de casa. Eu não quero mostrar para o turista o que tem de legal em BH, quero mostrar para o local. Em vez de só ir para restaurante e boteco, ele pode ter uma experiência de degustação de queijo, vinho, um menu especial de chef. Nenhuma das experiências é para dormir fora de casa. Todas estão a, no máximo, duas horas da cidade, justamente para você ir e voltar. Como está tudo perto de casa, o potencial de uso e frequência é muito maior. Existe um termo em inglês, staycation, que significa viver a sensação de férias na sua cidade. Era um conceito muito pouco utilizado, mas virou uma tendência com a pandemia.

Como funciona a curadoria das experiências?
Queremos trabalhar com parceiros que são definitivamente referência no que fazem e oferecer experiências únicas. Você pode ter a oportunidade de passar uma manhã na Fazenda Vista Alegre, em Capim Branco. Conhecer como funciona a produção de orgânicos, colher algumas hortaliças, pegar ovos e com esses ingredientes fazer um brunch. Quantas fazendas como essa são abertas à visitação? Temos uma experiência de meditação com gongo, que é um instrumento de terapia sonora, no pôr do sol, em um espaço no Belvedere com uma vista maravilhosa da cidade. Levamos as pessoas para uma casa do século 19, em Itabirito. O dono é chef e sommelier de vinhos naturais e oferece uma experiência gastronômia ali. Vamos juntando vários elementos que tornam essas experiências únicas. Também escutamos o que os clientes querem, avaliamos quem é referência, quem compra a ideia e unimos os dois lados. Hoje, temos 30 experiências no portfólio, que vão mudando de acordo com a época do ano. Por questão de demanda, vamos intensificar a oferta para o mundo corporativo. A nossa ideia é reunir até 200 experiências até o fim do ano entre BH e São Paulo.

Quais são as experiências mais procuradas?
A da Fazenda Vista Alegre tem uma procura grande, assim como a de churrasco americano e cerveja com a Coal Bar-b-que Market, a de cerâmica para iniciantes com a Thaís Mor, e a de meditação com o Renato Moura. Agora vamos ter uma experiência com o Grupo Corpo. É a primeira vez que eles abrem os ensaios, comercialmente falando, para que as pessoas possam assistir e conversar com um dos fundadores. Vamos começar também a oferecer um curso de óleos essenciais na Vila da Lavanda, onde tem uma plantação de lavandas. Estamos sempre incluindo experiências novas. Sou o facilitador, agitador e operacionalizador. Prefiro que as experiências não sejam formatadas exclusivamente para mim para não atrapalhar o cotidiano de quem as oferece. Se é algo que roda mais fácil, você tende a fazer mais vezes. Então, prefiro potencializar o que já existe, em vez de criar novas experiências.

O seu trabalho continua a ser focado no público com mais de 50 anos? 
Não nasci exclusivo para o público 50 , falo que nasci inclusivo para o público 50 . Esse público abriu meus olhos, mas não vou pedir identidade para saber a idade de ninguém, até porque o segredo está na intergeracionalidade. É isso que faz com que o público 50 esteja cada vez mais incluído na sociedade. Agora tem uma questão, e eu me incluo nela. Estou com 36 anos, pensando em empreender, me casar, ter filhos, então sobra menos dinheiro e tempo para investir nessas experiências. Acho que os meus pais têm muito mais tempo e dinheiro para investir nisso do que eu. Continuo com o olhar especial para o público 50 , mas numa lógica inclusiva. Vou sempre olhar primeiro para o que a mulher 50 quer, mas é por ela estar mais propensa a pagar por uma experiência da Bora. A nossa segmentação de público é muito mais por lifestyle do que demográfica. Temos o olhar atento para esse público, mas não queremos ficar chatos. Se começamos a criar uma barreira, que só passa quem tem mais de 50 anos, a Bora vai morrer. Já tivemos experiências em que participaram pessoas de 18 e de 60. Quando vejo isso, fico muito feliz.

Em geral, quem são os clientes da Bora?
São mulheres com mais de 40 anos, que vivem em grandes centros urbanos ou próximo a eles, de alta renda e com flexibilidade e controle maior sobre o tempo. Em uma experiência que acontece quinta à tarde, só vai aposentado? Não, vão também autônomos. Não tenho medo de marcar nada quarta à tarde, porque sei que tem um público com disponibilidade de ir. A tendência é que sejam pessoas que tenham controle sobre o tempo e flexibilidade de agenda.

O que você quer com a Bora? 
Acho que as pessoas exploram muito pouco as riquezas que existem perto delas. Entramos no piloto automático de só ir a restaurante, bar, churrasco com amigos, sendo que existem muito mais coisas para fazer na cidade, conhecer gente nova e viver experiências novas. Quero ser um grande hub de experiências em BH, que passaram por uma curadoria, oferecidas por alguém bom no assunto. Estamos vivendo num mundo em que a palavra curadoria tem muita potência, pois temos muita oferta de informação. Curadoria para mim é uma palavra essencial, é o que me ajuda a escolher. Toda vez que escuto alguém falar que tem vontade de fazer tudo, se não sabe se vai ao Grupo Corpo, se vai fazer joia, a uma degustação de vinhos, penso que é isso mesmo que quero. Aproveito para citar uma frase da Cris Guerra que acho genial, brilhante e é um bom resumo do nosso trabalho: “Quanto mais experiência tenho, mais experiências quero ter”. Muita gente fala em lifelong learning, que significa ser aprendiz a vida inteira, mas a Bora não é isso, é lifelong fun. Você tem que se divertir a vida inteira. Tem coisa que você só consegue perceber que é boa quando tem repertório.

Passados seis meses de Bora, você já pode dizer que é isso que quer fazer no seu dia a dia?
Crio empresas que gostaria que existissem no mundo. Nexo e Prosas têm a minha característica de conexão e de impacto social e a Bora traz outros elementos que sempre foram muito fortes na minha vida, que são a arte, gastronomia, música, então me identifico com ela. A cultura sempre esteve muito próxima de mim. Meu pai tem uma coleção de mais de 5 mil vinis. Na faculdade, meu projeto de fim de curso teve a ver com marketing cultural. Depois trabalhei no Inhotim, na área de incentivo cultural, então sempre tive afeição e uma relação profissional com essa área. Sempre fui muito curioso com gastronomia e agora comecei a me conectar com a área de bem-estar. Se não fosse dono da Bora, seria um bom cliente. 
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