Jornal Estado de Minas

Projetos de lei tentam proibir fumo em praças e parques de Belo Horizonte

Inspirados em lei de Nova York, projetos que proíbem fumo ao ar livre avançam na Câmara de BH

Jefferson da Fonseca Coutinho

A estudante de biblioteconomia Isis Rocha, de 22 anos, fuma na Praça da Liberdade. ''Sou a favor da proibição apenas nos espaços fechados, mas nas áreas livres é um direito do cidadão'', diz - Foto: BETO NOVAES/EM/D. A PRESS

 

Belo Horizonte quer estar na vanguarda de combate ao tabagismoPelo menos é que o pretendem os vereadores que defendem, em dois projetos em tramitação na Câmara, a proibição de fumar em praças e parquesA proposta segue o rigor já adotado em outras cidades, como Nova York (EUA) e Tóquio (Japão), onde há restrição aos cigarros, cigarretes ou charutos nas áreas verdes e até em vias públicasMas em Belo Horizonte, a possível proibição divide opiniões Há quem não só defenda o fim do direito de fumar em praças e parques, como também sustente argumentos para o fim dos fumódromos, ainda permitidos em BH pela Lei Estadual nº 18.552, de 2009Por outro lado, especialistas que criticam a proposta a classificam como restritiva ao direito individual e antidemocrática


Na capital, 17% das pessoas com mais de 18 anos eram fumantes em 2010, segundo o Ministério da SaúdeA taxa é superior à registrada em 2009, quando a pesquisa de vigilância de fatores de risco de prevenção a doenças crônicas por inquérito telefônico indicou 15,4%BH está na contramão do país, que apresentou índice de 15,1% em 2010Uma das tentativas dos autores dos projetos é justamente diminuir o número de fumantes“Recebemos muitas reclamações de frequentadores de praças sobre a presença de fumantes nesses espaços, onde há sempre muitas crianças e jovens

Não queremos que eles tenham esse exemplo e possam se tornar fumantes no futuroAlém disso, há a questão do fumante passivo, que pode ter as mesmas doenças de quem fuma, e a sujeira pelos restos de cigarro”, afirma o vereador Joel Moreira (PTC), autor do PL 2073/12A multa prevista para quem descumprir a lei será de R$ 100 e, em caso de reincidência, mais 50% desse valor


Na mesma perspectiva, o vereador Edinho Ribeiro (PTdoB) defende em seu projeto 1602/2011 a proibição de cigarros em parques municipaisNesse caso, as punições deverão ser regulamentadas pelo Executivo e cumpridas pela Guarda Municipal, Secretaria de Meio Ambiente e Fundação Municipal de Parques e JardinsPara o presidente da Casa, vereador Léo Burguês, o projeto tem chance de passar no plenário “Acho o texto muito positivoUma lei nesse sentido poderá coibir o tabagismo entre a população de BH”, diz.


Único fumante entre os 41 vereadores, o vice-presidente da Câmara, Alexandre Gomes (PSB), critica a proposta“O projeto tem apelo popular importante em época em que se fala muito em ‘geração saúde’, mas não acredito que fazendo pequenas restrições, uma aqui e outra ali, vamos resolver o problema do tabagismoO importante é dar informações e condições para as pessoas pararem de fumar, o que não é fácil”, diz

No entanto, ele entende que a prefeitura terá dificuldades em fiscalizar“Se for sancionada, a lei deverá ter regulamentação muito clara para ser cumprida”, acredita Gomes


A estudante de biblioteconomia na UFMG Isis Rocha, de 22, também faz críticas“Sou a favor da proibição apenas nos espaços fechados, porque muitas vezes as pessoas não têm a opção de evitá-los Mas nas áreas livres é um direito do cidadão”, defendeCom o livro Demian, de Hermann Hesse, nas mãos – cuja história retrata os conflitos de um jovem que se vê diante da fragilidade da moral, da família e do Estado –, Isis tem se esforçado para deixar o vícioNão pela força do poder público, mas por vontade própria, pela consciência do mal provocado pelo fumo


Já para quem trabalha na área da saúde, os projetos são um avançoDe acordo com a presidente da Comissão de Controle do Tabagismo da Associação Médica de Minas Gerais, Maria das Graças Rodrigues, o a proibição poderá diminuir a incidência de doenças decorrentes do uso do cigarro.

 

Ponto crítico: você é a favor dos projetos contra o fumo?

 

Maria das Graças Rde Oliveira, pneumologista da Associação Médica de Minas Gerais

sim

 

A aprovação do projeto de lei seria uma grande contribuição para a saúde Estudos mostram que, em países que impõem restrições ao cigarro, o número de infartos do miocárdio e de doenças respiratórias diminuiAlém disso, proibindo o fumo em espaços públicos, as pessoas que não fumam, mas são fumantes passivos, não ficarão sujeitas à fumaça e às mesmas doenças que afetam quem fuma, como AVC, enfisema pulmonar, bronquite crônica e, além da piora de todas as doenças alérgicas e respiratóriasO projeto é realmente bom, um avançoNo entanto, devemos ir além e banir qualquer tipo de local fechado onde ainda se permite fumar, como fumódromosUma das saídas será a regulamentação da lei federal sancionada pela presidente Dilma Rousseff no fim do ano passado que proíbe cigarro em espaços públicos e veta a publicidade do fumo

 

Juracy Costa Amaral,
professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC Minas

não

 

Não vejo esses projetos de lei como solução saudável e inteligente para a questão do tabagismo no BrasilVejo sim como exagero, como uma cópia norte-americana que deixa constatado que o Brasil mais uma vez repete modelos de outros paísesA cada dia, criam-se mais proibições para as pessoas e, consequentemente, aumenta-se a quantidade de infratores, de crimes e de puniçõesIsso não é uma forma civilizada de vida e de uso do espaço públicoAs pessoas devem construir ambientes adequados para viver, devem ser tolerantes com o outro, com o direito do outroNão os vejo como positivos, já que uma sociedade represssiva, restritiva, punitiva e sem projetos de convivência instiga o ódio e a desobediência Apesar de vivermos em um estado teoricamente democrático, o que se percebe é que cada vez mais a democracia tem estado na mão de quem controla, ela não serve a todosE isso não deveria ser assimA democracia deve ser ampla. 

 
Proibição recebe apoio

Na Praça da Liberdade, às escondidas, duas moças fumam longe da famíliaAo fundo, um grupo de estudantes canta Fogo e paixão, de Wando, acompanhado por violão“É só um cigarrinhoPor prazerNão pretendo levar isso por muito tempo”, diz uma delasA outra, sorridente, completa: “A gente viajou para a praia e começou de bobeiraSó para distrair”Ambas concordam com o projeto de lei que proíbe o cigarro em parques e praças de Belo HorizontePara elas, pelo bem de todos, “estava demorando”Muito sorridentes, amigas, “flagradas” pitando em paz, não se envergonham da ação em segredoFazem graça até: “É uma brincadeiraNão é sério”Contudo, os pais “não podem nem sonhar” o hábito.


Enquanto isso, o artista plástico Sylberto Sette Silva, de 51 anos, caminha feliz da vida com o cigarrinho entre os dedosE opina: “Dura lex, sed lexSe vai ser lei, vai ter que ser cumpridaSou fumante, mas sou a favor da proibiçãoNão posso incomodar os outros”, diz, perto de banco da praça onde está Ismália Fontoura, de 25 anos, relações públicas, que revela ter verdadeiro pavor de cigarro “Desculpe-me, moça”, afasta-seSylberto, educado, divertido, nascido em Caratinga, diz que fuma há tanto tempo que se pesquisadores o descobrirem vão “querer estudá-lo”“Estou feliz de estar na praça, livre com o meu cigarroMas se vier a lei, vou seguir feliz sem o cigarro também”, diz


O autônomo Ramon Rezende, de 47, não se diz surpreso com o projeto de leiPara o comerciante, Belo Horizonte é a “cidade da proibição”Fumante desde os tempos de rapaz, em Timóteo, no Vale do Aço, Ramon se diz acostumado com a “perseguição”Afirma que agora talvez até pare de fumar“Vai ter que ser a força, né!? Já tentei várias vezes e não dou contaVolta e meia digo que não fumo maisAí, basta um aborrecimento para voltar a comprar picado e, quando assusto, o maço já está no bolso de novo”, contaCom média de um maço por dia, diz que já está sem lugar para fumarEm casa, a mulher e os três filhos adolescentes têm verdadeiro pavor de cigarroO celular toca AborrecimentoDesliga o aparelho e acende um cigarro próximo ao coreto “Já está bom? É que vou ter de resolver uma pendenga”, despede-se.