O inquérito que investiga a misteriosa morte de dois brasileiros na selva peruana, em meados de 2011, deve ser arquivado. Funcionários da Leme Engenharia, empresa com sede em Belo Horizonte, o engenheiro mineiro Mário Bittencourt e o biólogo paulista Mário Guedes foram encontrados mortos dias depois de terem desaparecido em uma estrada à beira do Rio Marañon, na cidade de Pión, Região Norte do Peru, onde faziam estudos para a construção de uma usina hidrelétrica. Eles estavam acompanhados de dois funcionários da empresa peruana SZ Engenharia e desapareceram, em momentos diferentes, no dia 25 de julho do ano passado. Um advogado contratado em Lima, que acompanha as investigações, já informou aos familiares que o caso deve ser arquivado pela Fiscalía de Bagua Grande, o equivalente ao Ministério Público brasileiro, embora ainda haja pendências. A Justiça do Peru está em greve e a Embaixada Brasileira ainda não foi notificada oficialmente.
Segundo Carlos Gramani Guedes, irmão do biólogo paulista, o fiscal que acompanhava o caso desde início solicitou, no início do ano, que a Leme Engenharia apresentasse o plano de trabalho dos brasileiros, informando os objetivos, os meios e os contratos assinados com a empresa peruana, que solicitou a participação dos profissionais brasileiros. A Fiscalía também requereu a quebra de sigilo digital dos funcionários da Leme, com os e-mails recebidos e trocados no período que antecedeu a viagem.
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Corpos em pontos distintos
Os brasileiros desapareceram depois de 2 horas e 30 minutos de caminhada em uma estrada à beira do rio. Os corpos dos dois foram localizados dias depois, em pontos distintos, próximo à estrada. O de Mário Guedes foi encontrado de joelhos e com a testa no chão. Nada foi roubado e não havia nos corpos sinais de violência. Exames de necropsia feitos no Peru não puderam confirmar a causa da morte porque os cadáveres estavam em estado avançado de decomposição. Amostras de material biológico foram encaminhadas ao Brasil e passaram por análises no Instituto Médico Legal de Brasília e de Belo Horizonte, mas não foram detectados indícios de envenenamento para os tipos de veneno pesquisados. A família de Mário Guedes ainda autorizou que a Leme Engenharia encaminhasse para um laboratório nos Estados Unidos material biológico para análise, mas não tiveram resposta se isso foi feito.
Caso o arquivamento se confirme, ele pretende recorrer à Justiça peruana para reabrir o caso, cujas investigações foram prorrogadas por duas vezes. O Itamaraty informou que o Ministério Público concluiu as investigações preliminares e que a Fiscalía de Bagua Grande aguarda o parecer do juiz, que ainda não se manifestou pelo indiciamento de suspeitos ou pelo arquivamento do caso por causa da greve. Segundo o Itamaraty, o governo brasileiro mantém atenção especial com o caso e continua o encaminhamento do inquérito, lembrando que a prorrogação dos prazos foi um pedido da própria embaixada.
No entanto, a viúva de Mário Bittencourt, Fátima, diz que há descaso da empresa e dos governos brasileiro e peruano, mas confia na Justiça de Deus. “Escrevi até para a presidente, pedindo mais empenho.
Entenda o caso
– O geólogo paulista Mário Gramani Guedes, de 57 anos, e o engenheiro mineiro Mário Augusto Soares Bittencourt, de 61, viajaram para o Peru para realizar estudos de viabilidade para a construção de uma usina hidrelétrica na região da floresta amazônica peruana, na cidade de Pión, ao Norte do país. Eles trabalhavam para a Leme Engenharia, que firmou parceria com a empresa peruana SZ Engenharia, para desenvolver este trabalho. Segundo dois peruanos que acompanhavam os brasileiros, no dia 25 de julho de 2011, o engenheiro Bittencourt sentiu dores no joelho depois de 2 horas e 30 minutos de caminhada e se afastou do grupo, que seguiu em um trecho de subida. De acordo com o relato, Guedes e os dois engenheiros peruanos, ao retornarem, já não o encontraram mais.
– Os peruanos afirmam que o geólogo paulista decidiu ficar à beira da estrada, esperando que eles descessem até o rio para fotografar. Ainda em depoimento, os funcionários da empresa peruana contaram que não encontraram Guedes, quando voltaram para a estrada principal. Os corpos dos brasileiros foram encontrados dois dias depois, em estágio avançado de putrefação. A Embaixada Brasileira chegou a cogitar que os dois poderiam ter passado mal, devido a remédios para pressão, o clima e a altitude do local, mas as famílias suspeitam de envenenamento.
– A polícia identificou dois suspeitos, camponeses da região: Juan Zorrilla Bravo e Jésus Sánchez. O primeiro, líder comunitário à frente de manifestações contra usinas hidrelétricas, teria atrapalhado as equipes de busca, dando orientações erradas sobre o possível paradeiro dos brasileiros. Sánchez, segundo as investigações, teria oferecido água ao grupo no início da estrada. As autoridades peruanas chegaram a fazer uma reconstituição, mas os suspeitos negam envolvimento.
– O exame cadavérico realizado no Peru não identificou a causa da morte por causa da degradação dos corpos. Amostras de vísceras e tecidos das vítimas foram examinadas no Brasil, nos IMLs de Brasília e de BH, mas os resultados também foram inconclusivos, uma vez que o material estava em estágio avançado de putrefação. A Fiscalía de Bagua Grande, órgão que equivale ao Ministério Público, solicitou informações à Leme Engenharia e as famílias afirmam que a empresa não encaminhou os documentos pedidos, como plano de trabalho no Peru, contratos com a empresa peruana e quebra do sigilo digital com e-mails dos brasileiros trocados e recebidos antes da viagem.
Nota da Leme
Sobre providências da empresa em vista do possível arquivamento do caso, sua assessoria informou que não tem conhecimento desse fato. Sabemos que está pendente uma decisão sobre a prorrogação do prazo das investigações da Fiscalía, mas que essa decisão ainda não foi proferida. Sobre o encaminhamento às investigações dos documentos pedidos pelo fiscal peruano, a Leme informou que não recebeu qualquer intimação para prestar quaisquer esclarecimentos ou informações adicionais além das contribuições que já prestou à investigação. Sobre o encaminhamento, pela empresa, de amostra dos restos mortais dos dois mortos no Peru aos Estados Unidos para exames loboratoriais, a Leme afirmou que, para isso, o material só poderia ser retirado do IML, no Brasil, por um representante da família. A família de Mário Bittencourt optou por não realizar a análise. A de Mário Guedes, ainda não se posicionou sobre o assunto.