Jornal Estado de Minas

Depois que Justiça derrubou restrição da Anvisa, analgésicos voltam para gôndolas

Com permissão recente para ficarem nas prateleiras, propagandas liberadas e muitas promoções, basta colocar os analgésicos na cesta de compras e começar a tomá-los. Eles não precisam de prescrição médica para venda e, desde 2009, estavam atrás do balcão por resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exatamente para restringir o consumo. Mas, em julho, o país viveu o que especialistas consideram um retrocesso. Uma decisão do Tribunal Regional Federal no Distrito Federal, após ação judicial movida por entidades que representam as farmácias e drogarias, derrubou a resolução e eles voltaram para as gôndolas.

Em três unidades de uma grande rede de farmácia de Belo Horizonte dá para ver como é a oferta. Analgésicos como Dorflex, Novalgina, Tylenol, Neosaldina, entre vários outros, continuam atrás do balcão, segundo os atendentes, por decisão da empresa de aguardar o recurso da Anvisa, mas as gôndolas estão cheias de promoções. Os atendentes mesmos ajudam a escolher a caixa maior pelo menor preço. As unidades estão em cestas, em destaque entre corredores e até nas prateleiras perto do caixa.



Para o vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia de Minas, Claudiney Luís Ferreira, a resolução da Anvisa pretendia fazer com que o consumidor buscasse o farmacêutico antes de se automedicar. “Os medicamentos intoxicam mais que inseticidas no país, mas as pessoas tomam imaginando que não vão ter efeitos colaterais. O que acontece muito é que o paracetamol, por exemplo, vem em 750mg o comprimido com posologia de seis em seis horas. A dose tóxica é de 4g por dia, ou seja, quando uma pessoa toma dois de uma vez vai atingir ou passar a dose máxima recomendada e produzir um efeito tóxico no fígado. E, se a dor não melhora, a pessoa toma um segundo uma hora depois e o quadro só piora”, alertou.

Remédio é veneno

O conselho, segundo Claudiney, está fazendo uma mobilização para que as farmácias continuem deixando os analgésicos atrás do balcão. “É uma questão de saúde pública.
Sabemos que algumas redes infelizmente voltaram para a prateleira, colocaram até no checkout, mas não é o ideal”, afirmou. “Todo medicamento é venenoso, a dose é que diferencia. Se a pessoa tomar corretamente, respeitar os intervalos como descrito na bula, o remédio será eficaz. Mas, se tomar dois comprimidos de uma só vez, está dobrando a dose e isso pode gerar problemas”, explicou Hessem Miranda Neiva, supervisora da assistência farmacêutica da Fhemig.

Para Rosany Bochner, coordenadora do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma medida efetiva para que as pessoas tenham menos medicamentos em casa é o fracionamento. “Precisamos ter campanhas constantes contra a automedicação. A revogação da decisão da Anvisa é um retrocesso para o país”, avaliou.

De acordo com a Anvisa, foi instituído um grupo de estudos com membros da agência, acadêmicos e associações, que concluiu que a colocação dos medicamentos de venda livre atrás do balcão não impactou no aumento ou diminuição de vendas ou intoxicações.
“Tal conclusão foi embasada em estatísticas de venda e em dados dos centros de informação toxicológica”, divulgou por meio da assessoria de imprensa.

O perigo dos opioides

Os Estados Unidos estão diante de uma verdadeira matança provocada pelo uso indiscriminado de analgésicos, principalmente os opioides, que no Brasil são vendidos com retenção da receita. A overdose da pílula sem prescrição, vendida livremente, está matando cerca de 15 mil americanos por ano, número que lá é superior ao de acidentes de trânsito. Eles consomem 80% da oferta mundial de pílulas opioides e as vendas aumentaram quatro vezes nos últimos 10 anos, arrecadando US$ 11 bilhões por ano.

Ameaça às crianças

O risco de ter a famosa farmacinha em casa não está apenas no “self-service”, mas na possibilidade de uma criança ingerir aquela substância. De acordo com o chefe da unidade de toxicologia do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, Délio Campolina, a maior parte das internações por intoxicação ainda é de crianças que tomaram medicamentos deixados ao alcance por pais e mães. “E o problema é que, quando os pais veem, os filhos já tomaram o frasco inteiro”, afirmou.

De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fiocruz nos quatro estados da Região Sudeste, 3.468 crianças com idade entre 1 e 4 anos deram entrada em vários hospitais com intoxicação por medicamentos. É a faixa etária de maior incidência. “Os pais precisam ficar atentos porque a criança não escolhe o que vai tomar, ela pega o que está disponível e põe na boca. Há muitas intoxicações em crianças por analgésicos porque há uma superdosagem e todo mundo tem esse medicamento em casa”, afirmou Rosane Pochner, coordenadora e pesquisadora do Sinitox.

Um telefone gratuito foi criado pela Fiocruz para auxiliar quem sofrer uma intoxicação e não souber a quem recorrer. O 0800 722 6001 funciona em qualquer lugar do Brasil e direciona a ligação para o centro de toxicologia mais próximo.
Em Belo Horizonte, o centro de referência fica no Hospital João XXIII..