Jornal Estado de Minas

NOSSA HISTÓRIA

Praça Sete: o coração das passeatas na capital mineira

Ponto de concentração para manifestações das últimas duas semanas em Belo Horizonte, Praça Sete é palco de protestos políticos e sociais importantes desde a década de 1940

Junia Oliveira

- Foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press

O coração de Belo Horizonte pulsa, ao longo dos anos, movido pelo vaivém cotidiano de milhares de pessoas e, de tempos em tempos, pela concentração de multidõesA Praça Sete, marco da capital, é também o palco de momentos importantes, com mobilizações sociais, políticas e culturaisManifestações que deixaram marcas na história pela amplitude das ações ou pelo clima de tensão que tomou conta da cidadeNo centro de tudo isso, o obelisco e os quarteirões fechados são ocupados pelo povo seja para celebrar conquistas, seja para reivindicações ou disputasQuais motivos levariam o povo a eleger a praça como ponto de convergência de tantas vozes e necessidades ou de confrontos, como os registrados nos últimos dias?


“A rua e a praça são espaços públicos do conflito, em que é preciso pronunciar as razões da discórdia para que as decisões sejam tomadas, para que as reivindicações sejam entendidas.” A frase está na dissertação de mestrado “Estratégias de rua: manifestações político-sindicais do Sindicato dos Bancários na Praça Sete de Belo Horizonte”, defendida na PUC Minas, em 2008, pelo professor de sociologia e geografia Fabiano Rosa de Magalhães


Um dos primeiros registros de um ato popular na Praça Sete data de mais de 70 anos atrás, em agosto de 1942, quando diversos setores da sociedade se organizaram em apoio à entrada do Brasil na II Guerra MundialNaquele ano, poucos meses antes, o Pirulito foi o cenário de aglomeração daqueles que protestavam contra o torpedeamento dos navios brasileiros, dando a oradores espaço para clamar pela entrada do país no conflito“Daquele dia em diante, as manifestações não pararam e, com elas, vieram os saques e quebra-quebras generalizados na cidadeA chefia de polícia compôs uma lista de nomes e endereços de pessoas ligadas ao Eixo e, acompanhada de manifestantes, ocupou casas e saqueou lojas no Centro”, afirma o professor na dissertação


Ocupação

A década de 1950 foi marcada por campanhas salariais de bancários, que estiveram na praça pela primeira vez em 1946, na primeira greve da categoria, que durou 19 diasO clima de manifestações teve também momentos inusitados, como em 1961, quando foi marcado um grande comício na cidade, com a promessa de que Fidel Castro viria falar a operários e estudantes

Fabiano Magalhães cita um relato sobre o desfecho da cena: “Às 6h da tarde, na Praça Sete, surge Teotônio dos Santos Júnior (um líder estudantil) vestido de Fidel, com barba, charuto e tudoNão disse duas palavrasA TFP (Tradição Família e Propriedade), o Dops (Departamento de Ordem Política e Social, da Secretaria de Segurança Pública) e não sei mais quem botaram todo mundo a correr, quebrando cartazes e queimando faixas, cantando o hino nacional, enquanto “Fidel”, sem fôlego, quase nu, chegava esbaforido ao topo das escadarias do DCE (Diretório Central dos Estudantes)”.


E acrescenta: “A Praça Sete era o espaço de iniciação daqueles que queriam questionar o sistemaO primeiro ato de ousadia era marcar suas posições políticas no espaço público do protesto”, defende o professorMas, naqueles tempos, as vozes que evocavam democracia viviam momento delicadoO sociólogo lembra que naquela época o Dops intensificava a repressão, com prisão de ativistas e a proibição de passeatasManifestações só eram possíveis com a autorização do Dops, o que frequentemente era negadoUm dos confrontos mais violentos foi a greve dos motoristas em 1963, cuja passeata foi dispersada pela polícia de forma violentaHouve 35 prisõesNaquele momento, estava claro que a praça não estava tão aberta assim, pelo menos em matéria de protestos

 

LINHA DO TEMPO

1942
Movimento reivindica entrada do Brasil na Guerra MundialMilitantes comunistas fizeram campanhas

1951
Concentração de bancários em campanha salarial

1962
 Agitação de estudantes, com prisões e quebra-quebra

1984
Campanha das Diretas Já começa tímida, mas depois ocupa a Praça Sete e reúne 1 milhão de pessoas

1985
Manifestação da Tradição Família e Propriedade (TFP)A CUT revida com bandeiras vermelhas

1992
Manifestação Basta Collor, comandada por bancários

2001
Protesto dos perueiros com confronto com a polícia, feridos e presos

2013
Manifestações pacíficas por mudanças no BrasilDepredação e violência


PALAVRA DE ESPECIALISTA
Espaço de atenção

Ricardo Ferreira Ribeiro
Professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC Minas

“Fazer manifestação na Praça Sete é chamar atenção para a questão social que se levanta, porque é por onde as pessoas passamBoa parte dos ônibus passam pelo Centro, pela Avenida Afonso Pena ou AmazonasÉ realmente o coração da cidadeJá nos anos 1940 e 1950, ela recebia manifestações, no pós-Estado NovoNaquela época, também havia problemas de transporte com os bondesE, como ocorre hoje, havia algumas manifestações por causa do preço da passagemAtualmente, somando-se às questões políticas e sociais, temos ainda toda uma tradição dos teatros e das manifestações culturaisMas na Praça Sete qualquer coisa vai fechar o Centro, afetando a cidade como um todoEla gera transtornos em todo o trânsito da capitalAli há todo um corredorVocê passa por ela em direção à prefeitura e sobe para a Praça da Liberdade, símbolos do poderA Afonso Pena é a grande avenida da cidadeÉ onde ela efetivamente se encontra”.