Jornal Estado de Minas

Peregrinos da Saúde: depois de longas viagens até BH, muitos pacientes até passam fome

Doentes têm que esperar até que o último da caravana seja atendido para voltar para casa

Célia Aparecida Camilo, de Três Pontas, pesa 150 quilos e espera cirurgia bariátrica - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A.Press


Histórias de sofrimento e superação desembarcam todas as manhãs em Belo HorizonteSão levas de pacientes que chegam do interior em busca de tratamento, depois de passar a madrugada na estrada para conseguir chegar antes das 7hPorém, o que não falta depois do atendimento é tempo para contar seus dramasMuitos têm consulta pela manhã e aguardam até a noite para voltar para casaIsso só é possível quando o último passageiro é liberado pelos médicosDebaixo do sol escaldante da tarde, e contando com a solidariedade de comerciantes para usar o banheiro, a dona de casa Saraíze Israel, de 43 anos, mãe social do pequeno Tiago, de 10 meses, que vive em um abrigo em Pitangui, no Centro-Oeste, faz de tudo para aliviar o calor da criançaProtegidos pela sombra de uma árvore, Saraíze troca as fraldas e alimenta o bebê sentada na calçada, pois a Praça Hugo Werneck, na Região Hospitalar, não tem bancos suficientes para tanta gente doente“Ele nasceu prematuro e tem convulsões”, conta a dona de casa, satisfeita por ter conseguido consulta para a crian;a no Hospital João Paulo II“Pegamos a van às 2h30 da madrugada e chegamos aqui às 6hEle foi atendido logo que chegou, mas a van só volta depois das 16h.”


A dona de casa Zeli Barbosa, de 38, ainda não sabe o que seu filho temÍtalo Ricardo Barbosa Ferreira, de 4, de Conselheiro Lafaiete, na Região Central, é portador de uma síndrome não diagnosticada

“Ele nasceu prematuro, teve meningite no CTI e microcefalia, que é o crescimento diminuído da cabeçaOs médicos acham que ele não escuta e tem atraso na falaNa semana passada ele fez exame de genética e dia 2 de outubro a gente volta de novo”, disse a mãe.


Fotos: Conheça a história dos peregrinos da saúde


A lavradora Maria Terezinha Alves de Moura, de 55, de Curvelo, na Região Central, vencida pelo cansaço, se estirou no gramado“Tenho câncer de mama e me trato há quatro anos em BHPlanto milho, corto cana e pego até no arado, mas não aguento mais nada e essa viagem é muito cansativaMuitos conhecidos meus já morreram de câncer lá no interior: na garganta, no pulmão, intestinoSe tivesse mais médico por lá, eles poderiam estar vivos”, avalia.

O cansaço de vir até a capital é só uma dor a mais para muitos desses pacientesMarta Carla Fernandes de Souza, de 45, doméstica em Ipanema, no Vale do Rio Doce, sofre de lesões nos nervos e na retina ocasionadas pelo diabetesEla se emociona ao contar que precisou recorrer ao Ministério Público para conseguir tratamento pelo SUS“Chorei na audiência com o promotor de Justiça

Eu disse a ele que precisava mais do tratamento do que de comer”, contou MartaEla também entrou na Justiça para conseguir remédios e tem audiência marcada para o dia 19.

Outra que recorreu à Justiça, nesse caso para garantir o tratamento do filho, foi a cabeleireira Valdirene de Fátima Gomes, de 41, de Abaeté, Região CentralLucas Yank, de 6, tem catarata congênita e nasceu com o cristalino opacificado, além de estrabismo“Meu filho tinha 1% de chance de voltar a enxergar com o olho esquerdo, mas o especialista disse que o tratamento já passou da hora”, lamentou a mãe.

TRANSTORNO E FOME Há quem enfrente o desgaste de sair de casa em busca de atendimento e saber que o calvário está longe do fimDepois de um ano e 10 meses viajando a Belo Horizonte e voltando para sua cidade, a dona de casa Célia Aparecida Camilo, de 57, de Três Pontas, Sul de Minas, ficou sabendo que a sua cirurgia de redução de estômago só deve sair em fevereiro de 2014Até lá, ela ainda vai ter que conviver com seus 150 quilos, que afetam a saúde“Já cheguei a 187 quilosMas minha pressão continua muito alta”, disse.

Balconista em Ubá, Zona da Mata, Élcio Dorigueto, de 50, viajou de ônibus para Belo Horizonte e ficou preso na estrada por causa de um acidente“Duas carretas bateram de frente e pegaram fogo”, disseA radioterapia no olho direito dele estava marcada para as 12h30, na Santa Casa, mas ele só chegou às 15h45“Estou me recuperando para fazer outra cirurgiaO problema no olho foi diagnosticado por um médico da minha cidade, mas ele não fez a biópsiaMexeram tanto que virou um tumorAgora, posso perder a visão”, lamentou o balconista.

Terezinha da Costa, de 56, lavradora em Simonésia, na Zona da Mata, que há três anos trata dos olhos na capital, se comove com pacientes que ganham o transporte dos municípios, mas não têm dinheiro nem para comer um cachorro-quente em Belo Horizonte“Quem não tem dinheiro para pagar médico particular sofre muitoE olha que tem gente de Simonésia que fica o dia inteiro com fome, na praça, até a hora de a van voltar.”

A dor de cada um
As principais demandas de algumas das secretarias que precisam buscar em outras cidades socorro para seus pacientes

1) Bambuí
Maiores demandas: endocrinologista e dermatologista
2) Mutum
Maiores demandas: neurologista, otorrino, psiquiatra
3) Conselheiro Lafaiete
Maiores demandas: casos que demandam cirurgia e alta complexidade
4) Curvelo
Maiores demandas: tratamento e suporte a pacientes oncológicos
5) Estrela do Indaiá
Maior demanda: psiquiatra
6) Dores do Indaiá
Maiores demandas: mastologista, cirurgião-geral, ginecologista, neurologista, endocrinologista, neurologista e oftalmologista
7) Moema
Maiores demandas: carência em todas as especialidades e demora para conseguir consultas em outros municípios
8) Barbacena
Maiores demandas: ortopedista, neurologista, pediatra cirúrgico e oftalmologista
9) Quartel Geral
Maior demanda: alta complexidadePacientes vão para Abaeté, Dores do Indaiá, Sete Lagoas ou BH
10) Ipanema
Maiores demandas: alta complexidade, cujos pacientes vão para cidades polo mais próximas
11) Simonésia
Maiores demandas: ortopedista, angiologista, cardiologistas e nefrologistaPacientes são mandados para Manhuaçu, Muriaé
e Belo Horizonte
12) Itaúna
Maiores demandas:  clínico-geral, proctologista, psiquiatra e cardiologista
13) Coronel Fabriciano
Maiores demandas:  alta complexidade e procedimentos cirúrgicos de ortopedia de média e de alta complexidade eletivos
14) Abaeté
Maiores demandas:  atenção primária, oncologista e otorrino
15) Três Pontas
Maiores demandas: neurocirurgião e cirurgião cardiovascularCirurgias de alta complexidade são feitas em outros municípios
16) Pitangui
Maiores demandas: tomografia computadorizada, endocrinologista, neurologista, pneumologista e otorrino
17) Inimutaba
Maiores demandas: dermatologista, cardiologista, ortopedista, endocrinologista, psquiatra, otorrino e neurologistaEspecialidades são atendidas em Curvelo e oncologia, em BH
18) Materlândia
Maiores demandas: clínico-geral para o PSFCasos de urgência e emergência vão para Ganhães e SabinópolisAlta complexidade é atendida em BH e hemodiálise, em Diamantina.
19) Diamantina
Maiores demandas:  otorrino, urologista, oncologista, dermatologista, pneumologista e gastroenterologista
20) Bom Despacho
Maiores demandas: neurocirurgião e ortopedista para maior complexidade; médico para o PSF e leitos de CTI
21) Maravilhas
Maiores demandas:  atendimento especializado em geralPacientes são mandados principalmente para Sete Lagoas.
22) Piedade dos Gerais
Maiores demandas:  psiquiatra, urologista e ortopedistaCasos que demandam atendimento especializado vão para Betim ou BH
23) Barão de Cocais
Maiores demandas:  nefrologista, hepatologista e neurocirugiãoCirurgias de alta complexidade são encaminhadas para BH
24) Santa Maria de Itabira
Maiores demandas:  atendimento especializado em geralPacientes são mandados principalmente para Itabira e BH
25) Perdões
Maiores demandas:  ortopedista e dermatologistaCasos mais complexos vão para cidades polo ou para BH