Passados quase quatro anos das mortes misteriosas do engenheiro mineiro Mário Augusto Soares Bittencourt, aos 61 anos, e do geólogo paulista Mário Gramani Guedes, aos 57, na Amazônia peruana, as perguntas sobre as circunstâncias do episódio, ocorrido em 26 de julho de 2011, permanecem sem respostas. As viúvas Fátima Bittencourt e Liliana Guedes sofrem e se revoltam com a falta do desfecho do caso, arquivado pela polícia local sem apontar responsáveis e sequer explicar como morreram os brasileiros.
“Meu coração só vai se acalmar no dia em que eu souber como tudo aconteceu, e se houve justiça. É revoltante pensar que meu marido morreu de forma estúpida, e sem explicação, e que os assassinos vão sair impunes”, lamenta Fátima, que perdeu o companheiro seis meses antes de comemorar bodas de prata. Depois da morte, ela mandou confeccionar a aliança dupla do casal, ligada por um fio de prata, que nunca tirou da mão esquerda. Ela ainda não se desfez das roupas do marido, nem mexeu na escrivaninha ao lado da cama. Deixou no mesmo lugar o extrato bancário, o convite de uma exposição de artes, a Bíblia e os folhetos da viagem para o Peru.
Apesar da dor latente, Fátima tenta se convencer que já “melhorou” em relação à enorme tristeza que sentia logo após a separação forçada do engenheiro. “Ainda preservo o lado da cama onde ele dormia. Antes, virava para a parede para não sentir o vazio.
APELOS “Recebi a cópia do inquérito policial e joguei lá em cima do guarda-roupas, no maleiro. Fiquei apavorada ao ver as fotos da perícia, com meu marido morto”, conta Liliana Guedes, viúva de Mário Guedes. Por três vezes, ela e Fátima interferiram pela prorrogação do caso, pedindo mais tempo para apurar as circunstâncias do crime. Chegaram a contratar advogados no Peru, a viajar ao país vizinho e a implorar a intermediação dos contatos pela Embaixada do Brasil naquele país. “O inquérito está arquivado, até que haja novos elementos que permitam reabri-lo”, informou ontem, por telefone, Cesar Terrones, da Fiscalía de Lima, misto de promotoria e delegacia de polícia da capital, encarregada de investigar o caso no Peru.
Até hoje não saiu sequer o laudo do Instituto Médico-Legal no Peru, que chegou a resultados inconclusivos. Entre as hipóteses para a morte dos brasileiros, simultaneamente, durante prospecção para erguer uma usina hidrelétrica na Amazônia peruana, contrariando interesses das comunidades locais, estão envenenamento, sufocamento, hipotermia e até a morte por causas naturais. Na página da Embaixada Brasileira no Peru, há destaque para os 10 anos de parceria entre Brasil e Peru, que resultou na construção da hidrelétrica em Jaén, a 600 quilômetros de Lima. A obra foi assumida por outra construtora depois das mortes. A Leme Engenharia concordou em pagar indenizações às famílias, estipuladas pela Justiça com cláusula de confidencialidade em relação ao valor.
“A verdade é que não conseguimos colocar uma pedra sobre o caso. Precisamos ficar de pé, mas arrastando atrás a enorme pedra, que representa o peso da impunidade. Vejo outras viúvas que perderam o marido por doença ou fatalidade, mas não dessa maneira, em uma história atrapalhada e que não teve ponto final”, compara Liliana, que decidiu continuar morando em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, apesar de ser natural de São Paulo.
UM ENREDO SEM DESFECHO
Confira como foram as circunstâncias das mortes dos brasileiros e o andamento das investigações, que não chegaram a qualquer conclusão
- O engenheiro mineiro Mário Augusto Soares Bittencourt, de 61 anos, e o geólogo paulista Mário Gramani Guedes, de 57, viajaram para o Peru para fazer estudos de viabilidade para a construção de uma usina hidrelétrica na floresta amazônica peruana, na cidade de Pión, ao Norte do país. Eles trabalhavam para a Leme Engenharia, que firmou parceria com a empresa peruana SZ Engenharia para desenvolver o trabalho.
- Segundo dois peruanos que acompanhavam os brasileiros, em 25 de julho de 2011, o engenheiro Mário Bittencourt sentiu dores no joelho depois de 2 horas e 30 minutos de caminhada e se afastou do grupo. De acordo com o relato, Guedes e os dois engenheiros peruanos, ao retornar, já não o encontraram mais.
- Os peruanos afirmaram que o geólogo paulista decidiu ficar à beira da estrada, esperando que eles descessem até o rio para fotografar. Ainda em depoimento, os funcionários da empresa peruana asseguraram que não encontraram Guedes ao voltar para a estrada principal.
- Os corpos dos brasileiros foram encontrados dois dias depois, distantes cerca de 200 metros um do outro. Nada foi
- Foto: Arte EMroubado e não havia marcas de violência, segundo a polícia. A Embaixada Brasileira chegou a cogitar que os dois pudessem ter passado mal devido a remédios para pressão, ao clima e à altitude do local, mas as famílias suspeitam de envenenamento. - A polícia identificou dois suspeitos, camponeses da região: Juan Zorrilla Bravo e Jésus Sánchez. O primeiro, líder comunitário à frente de manifestações contra usinas hidrelétricas, teria atrapalhado as equipes de busca, dando orientações erradas sobre o possível paradeiro dos brasileiros. Sánchez, segundo as investigações, teria oferecido água ao grupo no início da estrada. As autoridades peruanas chegaram a fazer uma reconstituição, mas os suspeitos negaram envolvimento.
- O exame cadavérico realizado no Peru não identificou a causa da morte, por causa da degradação dos corpos. Amostras de vísceras e tecidos das vítimas foram examinadas no Brasil, nos instituto de medicina legal de Brasília e de Belo Horizonte, mas os resultados também foram inconclusivos, devido ao avançado estágio de decomposição do material. Segundo o IML de BH, duas hipóteses não puderam ser descartadas: a de envenenamento por substâncias orgânicas e de sufocamento.
- Uma das famílias sustenta que um perito independente informou, com base em fotos, que a posição das mãos de uma das vítimas sugeria sufocamento
- A Fiscalía local – equivalente ao Ministério Público brasileiro – solicitou informações à Leme Engenharia e as famílias afirmam que a empresa não encaminhou os documentos pedidos, como plano de trabalho no Peru, contratos com a empresa peruana e quebra do sigilo digital com e-mails dos brasileiros trocados e recebidos antes da viagem.
- O inquérito conduzido no Peru sobre as mortes deveria ser concluído em 4 de dezembro de 2011, mas foi prorrogado algumas vezes. Ontem, a Fiscalía de Lima, na capital peruana, informou que o inquérito foi arquivado sem conclusões sobre as mortes.
Mário A. Soares Bittencourt e Mário Gramani Guedes - Foto: Rodrigo Clemente/EM/DA Press/Reprodução - 2/5/12 - Arquivo Pessoal