Na contramão da onda de rabiscar o corpo por inteiro, em partes que costumavam ser antes preservadas, como pescoço, mãos e até o rosto, empolgando jogadores de futebol, avós e pais de família, surge um profissional sui generis na praça. Com o antisslogan “tattoo dói, não sai e vicia”, o tatuador Rogério Muzzi já atende 80% mais casos de arrependimentos do que propriamente encomendas de novas tatuagens, em seu estúdio na Região Sul de Belo Horizonte. “Sempre aviso que, se você não quer ter muitas tattoos, não faça a primeira. Algumas não saem, nem com laser”, alerta Muzzi, conhecido como doutor Tattoo, que se especializou em cobrir lembranças indesejáveis como o nome ou o rosto do(a) ex-namorado(a), cravados na própria pele. No lugar, ele ajusta formas geométricas, flores ou penas estilizadas.
Entre os pedidos mais comuns de cover up (cobertura), estão a correção de desenhos malfeitos, relacionamentos que viraram pó e homenagens a ídolos, que deixaram de fazer sentido com o tempo. Há casos inusitados, como o do representante comercial M., que, aos 20 anos, tatuou na perna a caricatura de um palhaço porque “achou bonito”. Passados 16 anos e muitas outras tattoos, M. ficou sabendo, pela internet, que a tatuagem ganhou outro significado.
As mudanças nos desenhos exigem destreza, estudo detalhado e muita paciência. Segundo o doutor Tattoo, que promove cursos e workshops sobre a técnica, nem todos os tatuadores gostam ou aceitam consertar o trabalho dos colegas de profissão. “É natural a resistência dos artistas. Seria o mesmo que pintar um quadro por cima de outra tela. Além de ser mais trabalhoso, o resultado pode ficar pior do que antes. É preciso ter os macetes, caso contrário, pode dar para ver por baixo os traços do desenho antigo ou dar sombra”, compara André Matozinhos, presidente da Associação dos Tatuadores e Piecer de Minas Gerais (Atap/MG), há 18 anos na profissão.
“Brinco com os clientes que consigo tampar a tatuagem na pele, mas que, tirar do coração, já é com eles”, diz o presidente da associação mineira de tatuadores. No próprio corpo, Matozinhos aprendeu a não apagar as marcas antigas, pois “cada uma tem sua história e combina com uma fase da sua vida”. Para ele, a decisão de fazer uma tatuagem não tem a ver com distinção de outras pessoas, identificação com tribos ou rebeldia: “Antigamente, quem se tatuava era visto como marginal, mas desde a década de 1980 a prática veio se popularizando com os surfistas, lembrados na canção Menino do Rio, de Caetano Veloso, com o verso dragão tatuado no braço.
PROTEÇÃO Com agenda lotada até janeiro do ano que vem, o tatuador Antônio Carlos Buzuca, de 36, desenvolve estilo um realista em seu estúdio no Bairro Funcionários, pintando rostos dos filhos que parecem estar vivos no peitoral dos pais. “Tem muita gente pegando a onda do momento e metendo bronca, fazendo coisas sem qualidade”, alerta Buzuca. “Primeiro, fiz uma tribal de escorpião nas costas, mas não gostei, porque não parecia o símbolo do meu signo. Resolvi desenhar por cima um escorpião, mas pedi para o cara economizar no tamanho.
“A galera faz muita doideira, saca? Meu pai mandou tatuar o rosto do Che Guevara nas costas. Quando caiu na real, foi tarde demais”, conta Gabriel Marinho, que se deu de presente de aniversário de 20 anos, três tatuagens provisórias de henna. A partir da experimentação, vai decidir de qual delas gostou mais. Até agora, leva vantagem o slogan da marca de roupa a ser lançada com amigos: “Não tem como”.