Nunca antes tantas crianças e jovens foram recrutados pelo Estado Islâmico (EI). Nas fileiras da organização, os extremistas ignoram a inocência dos chamados “filhotes do califado” e lhes impõem missões atribuídas até então somente a adultos. Explorados como uma espécie de vantagem ideológica e bélica pela facção, os menores são programados para matar e não temer a morte. Um estudo divulgado ontem na CTC Sentinel, revista do Centro de Combate ao Terrorismo da Academia Militar de West Point, alerta que o número de crianças e adolescentes inghimasis — termo árabe usado em alusão a suicidas que atacam posições inimigas com armas automáticas, antes de detonarem cinturões-bomba — triplicou no mês passado, em comparação a janeiro de 2015. “Parece plausível que, com o aumento da pressão militar sobre o EI nos últimos meses, tais operações vêm se tornando mais taticamente atraentes”, afirma o documento, intitulado Depictions of children and youth in the Islamic State’s “martyrdom” propaganda (“Retratos de crianças e jovens na propaganda de ‘martírio’ do Estado Islâmico”, pela tradução livre).
O primeiro panorama sobre o uso de crianças pela organização mais temida do planeta traz dados reveladores. Entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de janeiro de 2016, ao menos 89 crianças e jovens foram elogiadas em propagandas do Estado Islâmico — 51% teriam morrido no Iraque, enquanto 36% pereceram na Síria. Desse total, 39% se tornaram “mártires” ao detonarem carros-bomba; 33% atuavam como soldados e caíram em combate; 4% se imolaram durante ataques em massa contra civis; e 6% morreram enquanto cumpriam a função de propagandistas, incorporadas às brigadas terroristas. Os 18% restantes eram inghimasis.
Charlie Winter, coautor do estudo e pesquisador da Iniciativa de Violência e Conflito Transcultural do Estado da Geórgia, acredita que o tema não pode ser ignorado pelo Ocidente, ao esboçar as estratégias de combate ao EI. “O Estado Islâmico está recrutando mais crianças para a sua causa do que elas estão morrendo. Isso é um assunto de longo prazo”, explicou ao Correio, por e-mail. De acordo com ele, o uso de crianças é considerado estratégico pelos jihadistas. “Elas são vistas como um ativo para a organização, tanto do ponto de vista militar quanto político”, observa. “A facção tem mobilizado as crianças recrutadas como suicidas, soldados para combate em solo e propagandistas.”
No último dia 10, o EI divulgou vídeo que chocou a comunidade internacional. Nas imagens, Isa Dare, um menino britânico de apenas 4 anos, aperta o botão do detonador e explode um carro ocupado por quatro prisioneiros. Diante do veículo em chamas, ele levanta as mãos para o céu e grita “Allahu Akbar” (“Deus é maior”, em árabe). Em outro vídeo, o mesmo garoto ameaça o Reino Unido e assiste à execução de cinco supostos espiões britânicos. Nos últimos meses, o EI exibiu outros assassinatos com a participação de crianças — um menino foi flagrado disparando a pistola contra a cabeça de um homem acusado de ser agente russo.
Ritmo acelerado
“O mais preocupante é que o ritmo pelo qual as crianças se envolvem com o Estado Islâmico tem se acelerado. Nós concluímos o relatório em 31 de janeiro. Somente em fevereiro, mais 15 aderiram ao grupo.
Ao analisarem 89 fotografias disseminadas pelo EI nas redes sociais, três delas por vias não oficiais, os autores do relatório constataram que apenas em 6% das imagens as crianças usavam máscaras. Nos casos restantes, 46% tinham um sorriso no rosto, 27% mantinham expressão neutra e 26% aparentavam ira. Com frequência, os jihadistas associavam o martírio iminente à felicidade. Ao menos 1.500 crianças estariam nas fileiras do EI, prontas para a luta e o suicídio..