"Diante do povo e dos povos do Chile, sim, prometo", disse Boric erguendo o punho esquerdo e assinando, depois de um grande suspiro, sua posição como a mais alta autoridade do país sul-americano. Contendo a emoção na voz, o novo presidente chileno expressou um "grande senso de responsabilidade e dever com o povo".
"Faremos o possível para enfrentar os desafios que enfrentamos como país", disse ele em um discurso, na conclusão da cerimônia de posse no Congresso de Valparaíso, a 120 km de Santiago.
Rodeado pelas mulheres que irão integrar o novo governo chileno, Boric, 36 anos, tornou-se o presidente mais jovem do país, em um dos momentos mais desafiadores desde o fim da ditadura de 17 anos de Augusto Pinochet, em 1990.
"Pensando em minhas avós, minha mãe, minha filha, filho, enteadas, em milhões de mulheres que lutaram durante séculos para quebrar barreiras", publicou no Twitter a ministra de Justiça e Direitos Humanos, Marcela Ríos.
- Sinais e símbolos -
O ex-líder estudantil se emocionou ao receber a faixa presidencial junto ao conservador Sebastián Piñera, empresário milionário de 72 anos, que encerra seu segundo mandato (2010-2014; 2018-2022) como parte de um ciclo político que trouxe progresso graças a um modelo neoliberal, mas também uma grande lacuna na desigualdade social que motivou protestos massivos em outubro de 2019.
Das pitorescas colinas de Valparaíso, os vizinhos reclamaram porque queriam ver Boric, que desceu do Ford Galaxie em que fez um passeio formal com sua ministra do Interior, Izkia Siches, também de 35 anos. O carro foi conduzido pela primeira vez por uma mulher, Carabineros NCO Lorena Cid, parte de sua escolta desde novembro de 2021.
"Da mesma forma, as pessoas desceram das colinas para protestar (por Piñera). Agora temos um presidente de verdade, Gabriel Boric se torna presidente do Chile como promessa de uma nova esquerda", disse à AFP Ana María Soto, estudante de 20 anos.
Após a cerimônia, os ministros prestaram juramento perante o presidente Boric, começando por Izkia Siches, médica de 35 anos, a primeira mulher a assumir a pasta do Interior.
Como Boric e Izkia, Camila Vallejo e Giorgio Jackson fazem parte da geração de estudantes que lideraram os protestos de 2011 pela ampliação do acesso à educação gratuita e de qualidade e expuseram as lacunas sociais deixadas pela jovem democracia chilena.
Eles e os demais 24 ministros, 14 deles mulheres, uniram-se às delegações internacionais e convidados especiais em um jantar no Cerro Castillo, em Viña del Mar. Ali, a diplomata oriunda da Ilha de Páscoa Manahi Pakarati recebeu como diretora de Protocolo cada convidado: os presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou; da Argentina, Alberto Fernández; do Peru, Pedro Castillo; Rei Felipe VI da Espanha; Luis Arce, da Bolívia; e a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, além do candidato colombiano Gustavo Petro.
- Esperança de bem-estar -
Boric pretende iniciar uma trajetória para um Estado de Bem-Estar no estilo da social-democracia europeia, para transformar o Chile do neoliberalismo, onde 1% da população possui 26% da riqueza.
"Este é um governo que chega ao poder em um clima político muito fragmentado, que não tem maioria parlamentar e, portanto, não tem a possibilidade de fazer reformas muito radicais no curto prazo", estima Claudia Heiss, acadêmica de Ciência Política da Universidade do Chile.
O esquerdista assume o cargo em meio a uma crise de credibilidade na política, um corte de 22,5% nos gastos públicos, previsão de desaceleração da economia para este ano, grande migração irregular e um histórico conflito fundiário não resolvido entre o Estado e o povo mapuche. Seu governo terá que trabalhar por saúde, educação e aposentadoria, além de reduzir a desigualdade social, demandas que surgiram no surto social de outubro de 2019 que abalou o país considerado um dos mais estáveis da região.
Outro desafio será angariar apoio para o processo constitucional, que este ano deve convocar um plebiscito para aprovar, ou rejeitar, uma nova Constituição que substitua a atual Carta Magna, herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).