Em sua primeira entrevista coletiva com correspondentes internacionais, o presidente de esquerda de 36 anos enfatizou que o Chile "é latino-americano" e está interessado em ser parte da região, marcando uma diferença significativa para seu antecessor, o conservador Sebastián Piñera, que, antes da crise social de 2019, afirmava que seu país era um "oásis".
"É necessário e importante que a América Latina volte a ter uma voz no mundo, que estamos perdendo há muito tempo", disse o presidente, que tomou posse na última sexta-feira. "Isso não depende, claro, de uma única pessoa. Vamos humildemente contribuir nesse sentido para a região", acrescentou.
Nesse sentido, Boric afirmou que "devemos parar de criar organizações baseadas nas afinidades ideológicas dos líderes da vez". "O Prosul, a Unasul, o Grupo de Lima e a série de siglas já conhecidas, muitas vezes agrupadas por afinidades , mostraram que não são úteis para nos unir e avançar na integração", frisou.
"Nossas relações com os países são institucionais", disse, mas sem esconder sua afinidade com outros nomes do campo da esquerda na região, como o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva; o candidato à presidência da Colômbia, Gustavo Petro, ou com princípios do Movimento ao Socialismo (MAS) que governa a Bolívia.
- Crise migratória -
Sobre a crise migratória na fronteira entre Chile e Bolívia, onde, desde o fim de 2020, milhares de pessoas - a maioria venezuelanos - atravessam para o território chileno por passagens clandestinas, Boric disse que é um tema que os integrantes de seu governo já vêm analisando desde a vitória eleitoral em dezembro.
O presidente contou que sua equipe estudou o sistema de cotas implementado pela União Europeia por causa da "crise derivada da guerra na Síria, que sabemos ser o maior êxodo mundial neste momento" e adiantou que falará em breve sobre a questão com seus pares latino-americanos.
Em uma crise migratória, "neste caso de mais de seis milhões de pessoas que emigraram da Venezuela particularmente, o peso não pode ficar restrito a um grupo de países", opinou, ao se referir a Colômbia, Peru e Chile.
"Temos que expressar a solidariedade latino-americana, e assim todos os países da região - Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e também a Bolívia - têm um papel a cumprir", acrescentou, após esclarecer que são propostas para serem colocadas sobre a mesa em um diálogo multilateral.
- Devagar, sem 'arrogância' -
Boric, que reiterou não ter chegado ao poder com o espírito de refundar o país, também destacou a questão ambiental e os acordos comerciais e de energia.
"Nosso governo será um governo que enfrentará a crise climática. Vamos avançar em uma maior conversão para energias renováveis, no uso mais eficiente dos recursos e, tomara, avançar até a transformação para um modelo de desenvolvimento que seja compatível e sustentável com a natureza", disse.
Sobre os tratados comerciais, o novo presidente defendeu uma revisão e discussões entre as partes, mas garantiu que seu governo está empenhado no "multilateralismo".
"Aqui não vão acontecer revisões unilaterais de tratados. Respeitamos e vamos respeitar as obrigações que assumimos. O que temos apontado é que gostaríamos, junto com nossas contrapartes, melhorar alguns aspectos", comentou.
A expectativa na população é alta em relação às questões sociais e muitos comparam este momento com o período vivido após a eleição do socialista Salvador Allende. Boric, no entanto, afirmou que mudanças profundas requerem tempo e ressaltou que é preciso "agir sem arrogância".
"Eu acredito que nós estamos construindo sobre os alicerces do que foi feito antes. Portanto, as mudanças profundas que queremos enfrentar não significa partir do zero. Aqui não estamos falando de uma refundação, é como um enorme transatlântico que, quando faz uma curva, se desloca mais devagar por isso é preciso manter bem firme o timão", afirmou.