Pouco mais de 40 pessoas participavam de um clube de literatura no Sesc Avenida Paulista, na região central, em uma quinta-feira à noite. Em um canto, dois intérpretes eram responsáveis pela "acessibilidade" do evento, traduzindo a Língua Brasileira de Sinais (Libras) para o português.
"É uma forma de reverter a ideia de acessibilidade, de pensar a acessibilidade para pessoas ouvintes que não dominam essa língua, que é a segunda língua oficial do País", explica Sylvia Sato, uma das idealizadoras do LiteraSurda, autodenominado primeiro clube do livro em Libras do Brasil.
A iniciativa ocorre mensalmente no Sesc Avenida Paulista desde agosto. A edição deste mês teve o tema "poesia" e contou com a participação de duas escritoras surdas: Catharine Moreira, de São Paulo, e Lygia Neves, do Rio. Do total do público, cerca de 30% não conhecia Libras e recorreu à tradução simultânea para o português.
"Foi a primeira vez que participei de um evento assim, com interpretação para ouvintes", conta Catharine. "Eu tive muito mais liberdade. A troca ficou mais real e empática. Às vezes, o intérprete (de Libras) fica em um local distante, daí você olha para o intérprete e consegue pouco olhar para o palestrante."
A poeta costuma participar de slams, eventos que misturam literatura e interpretação ao vivo. Em um evento recente, ao saber que não havia acessibilidade para surdos, apresentou um poema de manifesto, no qual, ao fim, participantes diziam: "Vocês entenderam a poesia delas? Elas também não entenderam a de vocês."
Questões da comunidade surda foram, contudo, apenas parte da discussão do LiteraSurda, que abordou também feminismo, sexualidade e as diferenças entre a literatura carioca e a paulistana.
No evento, antes das escritoras interpretarem um texto, a plateia estendia as mãos para a frente, com movimentos de vibração, como se fosse um incentivo. Depois, gesto semelhante era direcionado para cima, em referência a aplausos.
Público
"Nunca tive contato (com Libras). Pra mim foi uma coisa impactante: descobrir uma nova língua. Estou saindo extasiado", comenta o bibliotecário Danilo Leite, de 34 anos. "É uma posição que a gente não está acostumado. Parece um universo distante, mas está do lado", comenta a programadora cultural Soraya Idehama, de 45 anos, que é ouvinte.
Entre o público da comunidade surda, o trabalho de Catharine era mais conhecido. "Agora vou pesquisar sobre a Lygia.
"Foi a minha primeira vez (no LiteraSurda). Eu, como gestor cultural e surdo, tenho interesse em acompanhar os diferentes territórios em que a comunidade surda está atuando", aponta Alexandre Ohakwa, de 38 anos.
O evento é organizado por Sylvia e Erika Mota, arte-educadoras, com participação curatorial do mediador cultural Leonardo Castilho, que é surdo. Cada edição traz um artista local e outro, de fora. "É um momento importante, de aumento da produção de arte e da cultura surda, tenho visto esse boom", diz Castilho. "Quem sabe um dia vamos trazer também escritores de outros países."
Segundo Sylvia, a ideia surgiu de uma provocação de Castilho, de como o surdo se percebe estrangeiro no próprio País. "Foi um desafio de pensar uma programação para surdos e com surdos, de pensar como a comunicação se dá não necessariamente de maneira verbal.
Para 2019
A edição de dezembro terá o tema história em quadrinhos e literatura de cordel. Embora a parceria com o Sesc para o próximo ano não esteja fechada, Erika garante que o LiteraSurda permanecerá. "Quem abrir a porta, estamos indo.".