Vilmar Marques de Oliveira
Presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia Nacional –
Associada ao Movimento Vem Falar de Vida
O preconceito e a desinformação ainda são obstáculos para as mulheres – e para toda a sociedade – em relação ao câncer de mama. O estigma em torno de uma doença que pode ser grave e afeta diretamente um dos maiores símbolos da feminilidade atrapalha de várias maneiras: desde o deixar para depois a realização de exames que deveriam ser periódicos até barreiras emocionais que, uma vez feito o diagnóstico, impedem que essa mulher seja protagonista no seu tratamento.
O agravante é que o câncer de mama é uma doença complexa. Existem diferentes perfis de tumor e momentos específicos que envolvem decisões, acesso às opções e a adesão ao tratamento escolhido, considerando tratar-se de uma doença tempo-dependente e que não espera nada, nem ninguém, para progredir, sendo mais rápida ou mais lenta, dependendo das características que se apresentam em cada caso.
Por tudo isso, falamos sobre a jornada da paciente com câncer de mama. Uma mulher que é única e tem uma história só sua, mas que deve e pode buscar os cuidados mais adequados e personalizados para o seu perfil. É certo que, nesse caminho, desinformação e prejulgamento fragilizam, enquanto diálogo, conhecimento, autocuidado e rede de apoio efetiva, seja de familiares, amigos, colegas de trabalho e mesmo da equipe de saúde contribuem para a vida antes, durante e depois do câncer. Uma vida que pode ser plena.
Esse olhar coletivo sobre o câncer de mama como um tema de interesse de toda a sociedade é fundamental para a efetivação e o aprimoramento das políticas públicas relacionadas à linha de cuidado da patologia (rastreamento, diagnóstico e tratamento), bem como sobre a navegação das pacientes no sistema de saúde. Embora tenhamos importantes leis aprovadas e um sistema público e universal de saúde, ainda há muito a avançar para salvar um número maior de mulheres.
O câncer de mama é o mais frequente entre as brasileiras, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), e ainda causa a morte de 20 mil delas todos os anos. A estimativa de novos casos para 2021 é de aproximadamente 66 mil. Embora seja rastreável desde o início a partir da mamografia de rastreamento, o diagnóstico precoce permanece ocorrendo bem menos vezes do que nos estágios localmente avançados da doença.
A ciência vem fazendo a sua parte. O planejamento adequado logo após o diagnóstico, associado ao melhor tratamento para o perfil da paciente, permite gerenciar o câncer de mama com maior probabilidade de cura ou controle. Sendo ou não invasivo, as chances de cura são elevadas (aproximadamente 95%) quando a detecção ocorre em fase precoce. Cada vez mais a medicina entende as alterações genéticas nas células que originam e caracterizam os tipos de tumores, conhecimento esse que possibilita tratamentos mais adequados e eficientes, que muitas vezes associam terapias antes e/ou após a cirurgia, a depender de cada caso.
Para ilustrar a relevância deste conhecimento, podemos citar as pacientes com um biomarcador específico, o qual chamamos de HER2%2b. Mulheres cujos tumores apresentam essa mutação podem se beneficiar de terapias direcionadas a essa alteração em diferentes etapas da doença. Quando diagnosticado em estágio inicial, o tratamento correto, no momento mais adequado, pode, inclusive, resguardar pacientes com alto risco de recorrência da doença de evoluírem para um estágio metastático, aproximando-as da cura.
Por exemplo, mulheres que precisam iniciar o tratamento antes da cirurgia, por terem tumores maiores e/ou linfonodos comprometidos para aumentar suas chances de cura e possibilitar uma cirurgia conservadora, podem ainda apresentar células tumorais no momento da cirurgia, o que indica um risco maior de recorrência. Por isso, essas pacientes precisam de um tratamento de resgate após a cirurgia, para então reduzir as chances de progredirem para cenários metastáticos. Todo esse planejamento terapêutico personalizado, feito pela equipe que acompanha a paciente, é essencial para garantir que cada pessoa receba o tratamento mais adequado de acordo com as características do seu tumor.
Não poderia finalizar este artigo sem esclarecer, também, que qualquer mulher pode ter câncer de mama. A maioria dos tumores – 90% – não têm origem hereditária. São fatores de risco a alimentação de má qualidade, a ausência de atividade física regular, o excesso de peso, a exposição a hormônios (estrogênios), o tabagismo e o uso excessivo de bebidas alcoólicas, entre outros.
Contudo, não é possível precisar a causa da doença e, por isso, precisamos de uma nova mentalidade. Ao mesmo tempo em que é necessário adotar medidas preventivas que combatam esses fatores de risco – e quanto antes, melhor –, devemos evitar que essa mulher que apresenta o câncer de mama se sinta culpada.
Diante disso, são essenciais movimentos como o Vem Falar de Vida, que disseminam informações de qualidade sobre o tema, reverberam ações de múltiplos signatários unidos por esse propósito e fortalecem a mensagem de que o câncer de mama não precisa ser sinônimo de fracasso, de morte, nem de mutilação. Existem meios para que cada vez mais histórias de mulheres sejam transformadas e discutir o acesso a eles é responsabilidade de todos nós.