Ivan Barboza
Sócio-gestor do Ártica Asset Management
Em 1950, poucos anos após o término da Segunda Guerra Mundial, o ministro francês Robert Schuman propôs unificar a produção de carvão e aço da França, Alemanha e quatro outros países que aderiram ao acordo que originou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. O principal objetivo do projeto era trazer estabilidade política à região, usando a integração de seus interesses econômicos como barreira para a eclosão de novas guerras. Essa foi a semente do que se tornaria a União Europeia, mas a história é longa.
Sete anos após este primeiro passo (1957), surgiu a Comunidade Econômica Europeia (CEE), que permitia o livre-comércio e translado de mão de obra nos países signatários. Após mais 13 anos (1970), foi criado um grupo encarregado de elaborar um plano de unificação da moeda dos países- membros, cuja implementação foi inicialmente mal-sucedida pela complexidade de alinhar várias moedas em meio a instabilidades cambiais. Em nove anos (1979), surgiu a european currency unit (ECU), uma moeda escritural usada para transações financeiras entre os países do bloco econômico. A ECU evoluiu para o euro 20 anos depois (1999), e a adoção do euro como moeda de circulação ainda levou outros três anos (2002).
Esse breve histórico já deveria acalmar quem se assustou com as notícias sobre a intenção de criar o sur, uma moeda comum que seria adotada inicialmente pelo Brasil e Argentina, pois o Mercosul ainda nem sequer eliminou as taxas de importação e exportação entre os países-membros, um nível de integração que o bloco econômico europeu atingiu em 1957. Mesmo ignorando esse fato e indo mais além na comparação com a história europeia, ainda teríamos décadas pela frente.
A notícia recente sobre a criação de um grupo de trabalho para planejamento do sur tem um paralelo com o grupo europeu formado em 1970. Seguindo a mesma linha do tempo a partir desse ponto, o sur nasceria em 2032 como algo similar ao que foi a ECU e se tornaria uma moeda comum de circulação em 2055.
Poderíamos argumentar que o projeto do sur deve ser muito mais rápido por envolver apenas dois países, mas é preciso lembrar que um deles é a Argentina, que, há vários anos, vem sofrendo com graves problemas econômicos. Todos estão cientes do risco de um acordo desajeitado transformar o Brasil em uma fonte de subsídios sem fim para sua vizinha, em uma relação similar ao histórico da Grécia com a União Europeia, e esse problema não é simples de contornar.
Em resumo, ainda há muita água para rolar antes que surja qualquer consequência prática do projeto do Sur. Dificilmente, será possível implementá-lo em apenas um mandato presidencial, então seria necessário o apoio de governos consecutivos em ambos os países para que algum dia ele saia do papel. Pode nunca acontecer.