Jornal Estado de Minas

POESIA

Leia poemas da terceira edição da revista literária 'Olympio'


Falcão no galho


Ted Hughes
(Tradução: Sérgio Alcides)


No alto da copa estou pousado, olhos cerrados.
Inação. Sem nenhum sonho enganoso
Entre o meu gancho da cabeça e o das garras:
Ou ensaio no sono a janta perfeita que agarro.





Que cômodas são as árvores altas!
O ar flutuável e o raio de sol
Me dão maior vantagem;
E a terra volta a face à minha inspeção de cima.

Tranco as garras em torno do galho áspero.
A Criação inteira decorreu até
Produzir-se a minha garra e cada pena minha:
Agora tenho a Criação presa no pé

Ou sobre ela pairo, rodeando-a devagar –
Mato onde quiser, que ela toda me pertence.
Não existe falcatrua no meu corpo;
Meu proceder é decepar cabeças –

A distribuição da morte.
A trajetória do meu voo é só aquela
Que passa através do osso dos viventes.




Nenhum argumento me ampara o direito:

O sol está por trás de mim.
Não mudou nada desde o meu começo.
Meu olhar não permitiu nenhuma mudança.
Pretendo manter tudo desse jeito.
 
 
 
 
 
 

presságio


Stephanie Borges


às vezes ainda sonho com você
não faz sentido, é como 
os sonhos em que preciso 
voltar à escola, para ter aulas 
de matemática, é estranho
mas vou e me atraso e nunca lembro
como resolver a equação, acho injusto 
dedicar meu tempo a problemas 
que não me servem hoje, fico aflita
e percebo: é um sonho. 

é você embora eu não queira 
te encontrar e há um estranhamento, 
não nos falamos nem em sonho
pois o corpo guarda 
a memória do cansaço 
das últimas conversas, 
a repetição interminável, 
não sobrou o que dizer. 




acordo me perguntando
como sonhar o silêncio?

quero crer que esses sonhos 
esquisitos signifiquem  
que é possível 
viver sem dominar 
álgebra e abandonar
ilusões do que não era
amor, esquecer o medo
de não saber as fórmulas: 
uma hora a gente acorda
 
 
 
 
 

Para um domingo com romãs


pensando em wislawa szymborska 

Piero Eyben


não quero morrer num mês frio no norte
fevereiro ainda neva sobre mim
como sobre as bombas deixadas por mãos
indefesas antes do fim do mundo
e não quero que morrendo ainda caia
uma chuva fina sobre brasília como 
aquelas que terminam o verão talvez
depois do carnaval tudo tão distante
ainda como se minha memória pudesse
sustentar no bojo da garrafa uma outra
mão que não a minha que nunca foi feita
para tocar o vidro gelado à espera 
de um prazer mundano como respirar
o rosto dos amigos enquanto sonho 
distopias selvagens datas imprecisas
91 abolição da pena de morte foi 81 
não o seu ano mas o meu que por quatro
anos não pegou o funcionamento 
da guilhotina deixando corpos sem cabeças
era como se não fosse senão esse domingo
em que a vida retorna mais cedo um besouro
sobre o sofá uma lesma dentro do brócolis
as 165 bactérias na boca do cão
agora pouco ele me mordeu brincando
não é assim que dizemos sempre? estava
brincando você não percebeu? torna-se
a partir de hoje proibido o porte de símbolos
religiosos em menores de 18 anos sigam
apoiando a república eu seguirei tentando
ver meu corpo envelhecendo a cada três
dias quero pensar numa fábula para contar
ao meu filho quando ele me perguntar
sobre o sistema político do brasil 
ele ainda sonha com lobos eu diria 
que eles se apagam enquanto o sorriso
mais antigo permanece às vezes como dano
às vezes como faca só não sei ainda por que
ao pensar nessa estranha alegria me veio
uma imagem de queda que já não tenho 
como suportar



Cemitério da colina


Altino Caixeta de Castro
 (Leão de Formosa) 

As parcas antecipam as flores e os responsos.
A morte resta limpa. Na colina pascem as papoulas
dos poetas póstumos. Em torno da montanha
e do alto da montanha a turba dos vates
circulando os convales de Minas. Aliás, aqui
convém um Conciliábulo para Poetas. Os mortos
confabulam as bulas dos vivos deslumbrados.
Epístolas e flores se estiolam nas hastes
de acrílico e os mortos participam do banquete
ao sopé dos sapos da montanha. Montanha
dessagrada e dessangrada de mitos, desfabulados
de antanhos. As parcas roem os lírios e as rosas.




As pombas coroam-se de pâmpanos. Os
lábios das labiatas, em cima dos túmulos em 
tumulto. Um corvo cantarola uma canção de
poecroscitada em “never more” para lenir Lenora,
a louca senhora do desamor. A fita magnética
registra os últimos grunhidos de um poeta
morto de amar o desamado. No Cemitério da Colina
o velório prossegue. Agora, no bar, montado
ali no “campus”, ouve-se uma fuga de João
Sebastião Bar. A música antecipa as flores e
os responsos. À beira do túmulo aberto sete
poetas de Minas comem broinhas de fubá.



Canto


Chico Alvim

Ária branca – aderência
em muro branco
neste dia tão solar – 
dia dos mortos 
dia do antes 

É como se o olhar tornado
inumano
por força do branco
soasse
livre do longe e do perto
de si mesmo referto
na desmesura do ar 

Longe ficaram as montanhas
Perto o lago não está

 
 
 

(sem título)


Carolina Spyer

está notando esse sentimento de nação íntimo 
e estranho?

as pessoas estão em círculo
o país está em destroços

 
 
 
Sobre a revista

Os poemas acima integram o número 3 da revista literária mineira Olympio, da Editora Miguilim, com distribuição no Brasil e em Portugal. Criada em 2018, a Olympio é uma iniciativa dos escritores Maria Esther Maciel, José Eduardo Gonçalves, Julio Abreu e Maurício Meirelles. A revista prioriza a publicação de textos e trabalhos inéditos, com destaque para a produção ficcional, poética e ensaística contemporânea. Além dos autores acima, o novo número traz poemas de Age de Carvalho, Prisca Agustoni, Carola Saavedra e uma homenagem a Augusto de Campos. 
 
 
 

» “Olympio – Literatura e Arte  n.3”
»  Editora Miguilim, em parceria com a Tlön Edições
»  400 páginas
»  R$ 89
»  Lançamento neste sábado, 26 de março, das 12h às 16h
Livraria da Rua, Rua Antônio de Albuquerque, 913, 
Savassi, Belo Horizonte