O advogado Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito Administrativo da FGV-SP, é um dos responsáveis por um estudo que propõe “medidas de colaboração público-privada contra a corrupção”.
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Palocci arrecadou R$ 128 milhões em propina da Odebrecht para o PT em 6 anosMultas à J&F podem aumentar com adesão de MPs estaduais a acordo de leniência"Não há receita pronta para a redução da corrupção", diz autor de Crime e PolíticaO estudo propõe ainda “estímulos” por meio do recebimento de parte das indenizações e multas que forem arrecadas para gestores que colaboram nas investigações. Leia, a seguir, trechos da entrevista.
Quais medidas alternativas às soluções penais podem prevenir a corrupção?
Uma parte delas está ligada à reforma do regime de licitações e contratos. Nesse trabalho tem projetos de lei, emenda constitucional, nos quais estão propostas mudanças no regime das contratações e das licitações públicas para tentar influenciar na melhoria da competição e, com isso, diminuir as barreiras burocráticas na execução do contrato que geram oportunidades de corrupção e insegurança. O outro lado é um conjunto de medidas na esfera administrativa que possa pôr barreiras à corrupção e facilitar sua descoberta sem ser necessariamente por meio de medidas penais ou de colaboração penal.
Há práticas reiteradas de corrupção mesmo com a Lava-Jato na rua. A sensação de impunidade prevalece na gestão pública?
Acho que sim. Ela diminui um pouco porque os riscos aumentaram, mas há um histórico de gente que vive dessas práticas.
O senhor se refere a uma reforma da Lei de Licitações? O que precisa ser mudado?
Dou dois exemplos. Um na área da licitação, no processo da escolha da empresa, e outro na gestão do contrato. Na área da licitação, a Lei 8.666 é ainda muito afetada pela ideia de proteção de certos tipos de empresas. Exemplo: regras de proteção das empresas brasileiras. Esse fechamento do mercado não começou agora. A história da Petrobras é ligada ao fechamento do mercado.
A regra de habilitação, para que uma empresa possa participar do processo, é focada na apresentação de atestado de desempenho anterior, em obras e serviços semelhantes. É um mecanismo para que não haja muita contestação ao mercado dessas empresas. Isso precisa mudar. É preciso aumentar a competição. Nos contratos, o problema é o excesso de discricionariedade da administração pública. O que acontece? Um fenômeno: a tal pedalada contratual.
As propostas se baseiam em experiências internacionais?
Uma das nossas sugestões é usar mecanismos já utilizados no exterior ou na esfera penal para incentivar a maior reação dos agentes à corrupção. Um dos incentivos que se pode dar é recompensa financeira para quem der informações na esfera administrativa, e não só na área penal, que levem à descoberta de práticas de corrupção. Isso para incentivar os gestores que não têm nada a ver com isso, mas que estão vendo as coisas. Eles estão lidando com máfias. Então, é preciso criar incentivos para essas pessoas denunciarem. Outra coisa que podemos fazer é dar vantagens às empresas que revelam práticas de cartel. Porque um dos mecanismos dos desvios que a Lava-Jato mostrou é um acordo entre empresas.
É uma especial de delação premiada empresarial?
É. Mas com um efeito na licitação, com vantagem comercial.
A Lava-Jato tem sido questionada pelos métodos.
A prisão é um instrumento eficiente para desmontar esquemas e desestruturar pessoas que estão sendo investigados. E isso pode ser positivo para as investigações. Agora, de outro lado, essas prisões são decretadas sempre com elementos precários, indícios. E o risco é que não tem muito critério objetivo na lei para impedir excessos. É um risco enorme.
Há uma crítica de que as prisões são usadas para forçar delação. Qual a sua opinião?
Existe uma lenda de que as delações estão sendo todas forçadas. É natural que isso se espalhe, especialmente pelas pessoas que são acusadas. Em grande medida, é lenda. Por quê? Porque muitas das informações que surgiram nos depoimentos foram confirmadas por outros depoimentos, por outros delatores em negociação com outros procuradores, em circunstâncias diferentes, ou surgiram documentos.
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