Jornal Estado de Minas

Hipertensão arterial pulmonar mata entre 25% e 45% dos pacientes em apenas três anos

Doença inimiga dos pulmões causa falta de ar extrema

Clique e entenda melhor este mal traiƧoeiro - Foto: Medellín (Colômbia) e Brasília – A suspeita levantada por um pneumologista deu início a uma contagem fúnebre na saída do hospital. “Depois de ser curada de uma pneumonia, na hora da alta ele disse achar que eu tinha hipertensão arterial pulmonar (HAP). Cheguei em casa, fiquei quatro dias lendo sobre a doença na internet e prevendo em quanto tempo iria morrer”, conta Iara Maria da Silva. Foram oito meses de angústia até a confirmação do mal raro, no ano passado. Hoje, aos 43 anos e há quase 10 meses em tratamento, a atriz e artesã acorda guiada por uma nova sentença: “É meu desafio diário. Quero mostrar que existe vida depois do diagnóstico dessa doença”.

Empreitada também compartilhada por médicos e cientistas. Os especialistas enfrentam um mal de origem complexa e tratamentos recentes (veja arte). Até 1996, não havia medicamentos contra a HAP. Hoje, há sete em todo o mundo, mas com resultados limitados. “Falamos de uma doença que, mesmo com a combinação de drogas, tem índice de mortalidade de 25% a 45% em três anos”, observa Rogério de Souza, um dos principais pesquisadores da enfermidade no país e responsável pelo Grupo de Hipertensão Pulmonar do Serviço de Pneumologia do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (Incor/USP).

Soma-se ao pouco tempo de existência de drogas o diagnóstico tardio. Na maioria dos casos, quando a doença é descoberta, o paciente já está bastante debilitado. Falta ar para tarefas corriqueiras, como trocar de roupa, e até mesmo em momentos de repouso. “Passei muito tempo achando que tinha asma grave. Quando descobriram a hipertensão pulmonar, já estava no estágio mais grave. Nem andar direito eu conseguia”, conta Iara Maria.

A grande brecha entre o início da doença e o tratamento se repete pelo mundo. “Sessenta e três por cento dos nossos diagnósticos são de pacientes na terceira classe da doença (que chega a quatro). Se reduzíssemos para a classe dois, teríamos um aumento considerável na sobrevida”, observa Marc Humbert, especialista do Centro Nacional de Referência para Hipertensão Pulmonar, na França.

Humbert e centenas de médicos e cientistas reuniram-se recentemente em Medellín para compartilhar as dificuldades no enfrentamento do mal e os resultados de pesquisas recentes. A união de esforços durante o 5º Simpósio Latino-americano de Hipertensão Arterial Pulmonar revela um amadurecimento da classe, que tem à disposição estudos cada vez mais específicos para a ação da HAP.

No Brasil, por exemplo, observa-se que a esquistossomose aparece como a principal causa associada à versão secundária da doença (quando ela surge em decorrência de outro problema de saúde). Segundo Caio Júlio César dos Santos Fernandes, um dos palestrantes do simpósio, cerca de 30% das pessoas atendidas nos centros de referência para HAP no país têm esquistossomose. “No mundo, são 420 mil casos potenciais de hipertensão pulmonar por esquistossomose, levando-se em conta que a prevalência da doença é de 4,3% nessas condições”, estima o também médico do Incor/USP.

De acordo com Souza, o problema ganha ainda mais gravidade quando se nota que a esquistossomose é endêmica no Brasil. Estima-se que a doença parasitária acometa 2,5 milhões de cidadãos, principalmente na Região Nordeste e em Minas Gerais. “Se erradicássemos a doença hoje, ainda assim teríamos que lidar com casos de HAP ligados à esquistossomose nos próximos 30 anos”, alerta.

Mais conhecida
Há cerca de 10 anos, acreditava-se, por exemplo, na ocorrência de um ou dois casos em um grupo de 1,7 milhão de pessoas. Hoje, fala-se entre 30 e 50 a cada 1 milhão no planeta. Um entendimento maior e disseminado sobre a doença tem facilitado a vida de médicos e pacientes. “Nos últimos 15 anos, tivemos avanços significativos. Com as terapias disponíveis, melhoraram a qualidade de vida, a capacidade de exercício e a performance cardíaca dos pacientes, o que influencia na sobrevida”, avalia Souza, ressaltando a importância de um envolvimento médico ainda maior.

“É preciso investigar a fundo as causas da falta de ar. Não só para o diagnóstico da HAP, mas para tantas outras doenças graves que têm esse sintoma”, aconselha. A curiosidade, segundo Maria do Rosário Costa Mauger, presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Esclerose Sistêmica, é mais que bem-vinda na Região Norte. “Pelos relatos que recebemos de lá, os pacientes têm praticamente todas as características da HAP e seus médicos sequer pensam no cateterismo”, diz.

O procedimento é o que fecha o diagnóstico da doença, já que o aumento da pressão sanguínea nas artérias pulmonares sobrecarrega o coração. O problema ocorre em cerca de um entre sete pacientes com esclerose sistêmica, caracterizada por fibrose e alterações vasculares na pele, nas vísceras e no sistema musculoesquelético. No Brasil, há 20 centros de tratamento da HAP, mas nenhum na Região Norte.