“Um comandante bem pr�ximo a mim, que foi meu padrinho de casamento, uma vez me disse que pilotar n�o era coisa para mulher. Exemplificava que, se eu fosse m�e e estivesse em atendimento, uma miss�o, se, por acaso, meu filho tivesse um problema, ele tinha certeza de que eu abandonaria tudo e voltaria para atender o meu filho.
Em 25 de janeiro, estava de servi�o no Batalh�o Opera��es A�reas, escalada para atender ocorr�ncias que necessitassem de empenho da aeronave. A primeira solicita��o feita para os bombeiros sobre essa ocorr�ncia do rompimento de barragem foi �s 12h37. Parei de almo�ar e me encaminhei para o p�tio. Enquanto chegava � sala de opera��es, ele j� tinha ligado para a solicitante para confirmar o que tinha acontecido. Uma pessoa chorando informava que tudo tinha sido levado pela lama.
A ideia era resgatar o maior n�mero de pessoas que a gente conseguisse. Recordo-me do tripulante operacional ter dito: ‘Chefe, o que tinha aqui foi levado. Se o pontilh�o foi levado, n�o tem rastro de nada aqui.' A gente fez o sobrevoo at� o Rio Paraopeba para ver se conseguia avistar pessoas pedindo ajuda e tamb�m para entender a extens�o. Voltamos e as pessoas continuavam a chamar a aeronave.
O tripulante operacional permaneceu embarcado e ia me dando informa��o se a aeronave estava pr�xima ou n�o do obst�culo, se estava baixa ou alta. N�o poderia ficar muito alto, sen�o n�o conseguiria colocar a v�tima dentro da aeronave. Tudo feito de forma bem sincronizada.
A opera��o naquele dia durou at� o p�r do sol. Quando cheguei em casa, a sensa��o era de que talvez tivesse mais gente viva que n�o tiv�ssemos conseguido visualizar. A lama camufla as pessoas. Fica tudo marrom. Tudo em situa��o de lama. � dif�cil visualizar uma silhueta. Se a pessoa n�o se mexe, se estiver muito debilitada, fica dif�cil saber se tem algu�m precisando de ajuda ou n�o. Confesso que isso me incomodou um pouco. No dia 25, foram ‘voadas’ muitas horas por todas as aeronaves no local, voos rasantes, � baixa altura. No dia seguinte, as buscas continuaram de forma acelerada e intensificada.
Tinha que lidar com obst�culo para o esqui do helic�ptero n�o se prender num tronco de �rvore e vir a tombar ou uma �rvore tocar o rotor principal e desestabilizar a aeronave. O tripulante operacional tinha que estar o tempo todo comigo no fone, porque da parte de tr�s da aeronave n�o tenho vis�o. A aeronave tinha de ficar pr�xima, mas n�o t�o perto que pudesse encostar nas v�timas e, talvez, causar uma les�o. E ainda tinha a imprensa filmando aquele momento. Isso � adrenalina a mais. Havia o risco de a barragem que estava ao lado se romper. A gente n�o tinha informa��o precisa se estava est�vel.
A crian�a que queria ser cientista para fazer descobertas, para melhorar o mundo, sobrevive dentro de mim quando fa�o os resgates para tentar salvar as pessoas, tentar fazer a diferen�a na vida de algu�m, enfim, atender o ser humano com qualidade.
Depois desse atendimento, que foi amplamente noticiado pela imprensa, e do rompimento da barragem, meu comandante mandou uma mensagem reconhecendo que ele estava errado. � bem gratificante e eu fico orgulhosa de ter provado para ele que realmente estava errado. Avia��o � para mulher, sim. Na verdade, � para mulher qualquer profiss�o que ela se disponha a fazer, � qual ela se dedique com qualidade, desde que haja treinamento, envolvimento e amor. Tudo � poss�vel.”