“Quinta-feira, terminei de cimentar o terreiro, que era o meu sonho. O diabo veio e lambeu tudo. Se nosso destino foi esse, aqui n�s estamos. Deus sabia que n�o era pra gente ficar ali (Parque da Cachoeira). Vinte e cinco anos n�o s�o 25 dias. Ali foi tristeza, alegria, doen�a, sa�de, trabalho, ele mexendo com vaca, eu mexia com queijo. Minha m�o � cheia de caro�o de tanto espremer queijo. A vida, n�s estamos levando assim: como Deus mandou e Deus quer. Para testar nossa paci�ncia. Mas ele topou gente que aguenta. Porque eu suporto tudo.
Antes, n�s moramos no Eldorado (Contagem). De l�, meu velho se aposentou e n�s viemos e compramos este s�tio. Estamos aqui h� 25 anos, fomos dos primeiros moradores. Lutamos muito por tudo que n�s perdemos. Ele trabalhando fora da conta, eu trabalhando fora da conta. Pra gente ter aquela vida de velho sossegada. Eu aposentei em 2004, tinha meu dinheirinho e falava: 'Todo dinheirinho vai ser posto aqui na minha casa'. Um dia, o Zinho brincou: 'Por que voc� n�o p�e ouro nessas paredes?' Eu: 'Uai, meu pai � dono do ouro e da prata, um dia eu ponho'.
Tive muita lembran�a boa, muito amigo que vinha de Belo Horizonte para passar o fim de semana comigo: 20, 25 pessoas, que n�o cabia em casa. Fazia tudo com muito amor. Passava o dia varrendo aquela terreirada. Uma ch�cara inteira era terreiro, todo mundo que passava tirava retrato. Aquela casa tem retrato dela at� na Espanha. O melhor s�tio que tinha era o meu, tudo bem plantado. Graviola dando, lim�o tahiti de duas qualidades, laranja, mexerica, acerola, muitas bananas, tudo o que voc� imaginar.
Reformei a casa toda, pus do meu gosto. Arrumei a cozinha, tirei a lenha, que ele (o marido) n�o pode com a fuma�a. Janela, porta nova. De um segundo para o outro, foi tudo por �gua abaixo. Nunca vai sair da minha cabe�a. O pior j� passou. Estou sentindo ele com a cabe�a leve, muito esquecido, preciso estar olhando o que ele est� fazendo. A gente est� sentindo que aquela coisa vai ficar plantada para o resto de nossa vida. O que fiz, n�o fiz, momentos bons, momentos dif�ceis, enquanto vida tiver, vai ficar na mem�ria da gente.
O dia 25 foi o da trag�dia. Estava com visita de BH, minhas irm�s tinham chegado. J� tinha dado almo�o, fui esquentar feij�o para minha filha, que tinha chegado do Barreiro. Quando terminei de esquentar o feij�o, eu s� vi a macacada come�ando a gritar na mata, passarinho voando, passarinho gritando mesmo. A urubuzada voando, passava e passava. Quando n�s duas chegamos na janela da cozinha...Voc�s j� viram taquara queimar? � igual foguete, barulheira. Eu disse: 'O que � isso, Simone?'. Ela falou: 'Mam�e, o trem t� chegando!'
Aconteceu a trag�dia dia 25, dia 26 eu fui para a igreja, para distrair minha tristeza. E est� achando que fiquei triste? Fiquei n�o. Fiquei mais triste com a chuva, da quarta-feira, porque eu tenho medo de chuva. Estou pedindo para demolir aquela casa, para tirar de vez da minha cabe�a. Essa noite eu falei: 'Senhor, obrigado por ter levado o que eu constru�, mas n�o levou minha vida'. Porque os bens v�o uns e v�m outros.”