A mercantilização da medicina
A empatia é um conceito distante. As anamneses nunca foram tão apressadas e superficiais e o exame físico, muitas vezes, nem acontece
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Em outubro, recebemos a notícia de que as escolas terão um reajuste médio de 10% em 2026. Na última semana, recebi um e-mail do meu plano de saúde avisando sobre o aumento de mais de 15% para o próximo ano. Não tem salário que acompanhe esses reajustes e nosso poder aquisitivo vai sendo esmagado ano após ano. E pensando em saúde privada, enquanto as mensalidades dos convênios sobem, a qualidade dos serviços oferecidos vem caindo. A saúde se tornou um produto com o objetivo de lucro a qualquer custo. Compartilho com vocês o desabafo da amiga Melina Maciel, que tem um filho com transtorno de espectro autista (TEA), porque são essas as mães que mais vem sofrendo com o sistema de saúde, tanto público quanto privado.
“Meus colegas médicos que me perdoem, mas ando cada dia mais angustiada com o cenário atual, e piora quando penso no que vem pela frente. Tenho um profundo respeito pela classe. Sou filha de um médico que sempre foi meu maior exemplo de profissional e ser humano, sou irmã de uma médica espetacular e venho de uma família que definitivamente fez da medicina a sua vocação. Mas o que vejo hoje, em quase todas as áreas, é um apego enorme ao status, à aparência, e quase um desprezo pelo ser humano, o paciente.
A escuta ativa virou artigo de luxo. A empatia é um conceito distante. As anamneses nunca foram tão apressadas e superficiais e o exame físico, muitas vezes, nem acontece. Investigar o contexto familiar, ambiental, o estilo de vida? Não chega perto de ser uma realidade.
A demanda é imensa, sobram empregos, mas faltam humanos. A história do meu filho é apenas uma pequena amostra da vida real de quem precisa ser “visto” por um médico. Passei mais de quatro anos fazendo uma verdadeira peregrinação com meu filho em busca de ajuda e respostas, até finalmente encontrar um profissional que olhasse para ele além das teorias e do óbvio. O diagnóstico de autismo veio quase aos seis anos de idade e lamento todos os dias o tempo que ele perdeu até aí, por pura negligência. Desculpem, mas não há como encontrar outra palavra. Não consigo colocar nessas linhas a nossa rotina nos últimos dois anos. Ele chegou a usar seis medicações aos 8 anos de idade. Foram pelo menos cinco especialistas particulares, sem sucesso.
Nos relatórios, ele já era descrito como TEA 1/2, pois apesar de ser nível 1, precisava de mais suporte do que o esperado, já que se desestabilizava o tempo todo. Eu saí do médico com um pedido de 20 horas de terapia semanal. Não fiz. E após um dos congressos que participei, resolvi assumir o controle e mudar tudo!
Não dava mais para aceitar que olhassem para o autismo sem enxergar aquela criança. Procurei profissionais alinhados com o que eu acreditava e, em poucos meses, fizemos vários exames nunca realizados antes. Buscamos cada detalhe que pudesse justificar a total falta de respostas aos tratamentos caríssimos que ele fazia.
E, pela primeira vez em anos, ele voltou a progredir! Retiramos várias medicações, reduzimos outras, suplementamos e seguimos avançando todos os dias. Cada resultado que chega, cada estudo, eu só consigo me perguntar: Por que os profissionais seguem presos ao óbvio? Por que insistem nos atalhos? Por que tanta pressa? Por que tão pouca humildade para pedir ajuda quando está difícil?
Estamos falando de vidas, de histórias, de crianças, de pessoas que são o amor de alguém. Nenhuma família merece ser vítima de um sistema de saúde em colapso, em todos os aspectos.
Lamento todos os dias pelas tantas pessoas que ainda seguem em busca de respostas, de atenção, competência técnica e humanidade. Especialmente para aquelas que não têm o “privilégio” de escolher os caminhos. Existem profissionais maravilhosos! E é a eles que eu dedico esse depoimento. Minha gratidão eterna. Que sejam sempre inspiração e exemplo. O mundo precisa disso!”
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
