Passou os anos de matrimônio aprendendo a ser a capitã do próprio navio. Concluiu, certa vez, que aprendera a ser sozinha no próprio casamento. Um dia, o divórcio veio assinar o cheque; a solidão disse "olá". Saiu do ranço conjugal só para descobrir que o vazio é um ranço ainda mais chato. Não suportava o vácuo. Não era sobre ter alguém, era sobre ser resgatada.
Como toda boa princesa de conto de fadas, ela estava à espera de um salvador com 'S' maiúsculo. Aquele que viria de um cavalo branco (ou um SUV alugado) para lhe oferecer uma vida de "foram felizes para sempre" e, mais importante, de "não mais sozinha".
A carência não era de marido, mas de arquétipo. Sofria de angústia de abandono. A infância foi gasta na vigília da porta, esperando que a Rainha-Mãe, que havia saído para comprar cigarros, voltasse para o "resgate original". O salvador não precisava tirá-la daquela vida; ele precisava tirá-la, suavemente, dela mesma. Daquela menina que ficou no loop de espera da mãe, que nunca voltou.
Para não se afogar na própria lagoa de lágrimas, entrou na deep web do amor; jogou-se em apps de namoro. Era tanto aplicativo que dava para montar uma frota. E ela, munida de um desejo que beirava a projeção, foi dando match em todo espécime que parecia minimamente capaz de preencher o buraco imaginário daquele trono vazio. Ela buscava o Príncipe Encantado, mas aceitaria o Bobo da Corte, desde que ele trouxesse a coroa.
Foi então que o Princeso do Alvorecer fisgou a linha. O primeiro encontro (e todos os outros que se seguiram) tinha um cenário impecável: apartamento dele, dia de semana, logo cedo. Pensem bem: café com aroma de culpa e sexo descompromissado. Era o ritual. Sempre de manhã. Nunca em lugar público (porque a vida real tem paparazzi). O encontro era sempre servido com a nota de rodapé: "É o único horário e local que consigo agora".
Uma explicação tão lacônica que parecia ter saído de um livro de autoajuda para machos ocupados. Era o seu desjejum erótico, sem a parte chata da conversa. O compromisso era com o despertador. O café esfriava, o sexo resolvia, e o resto da vida permanecia intacto. Um verdadeiro pacto de não-envolvimento, digno de nota em qualquer análise freudiana sobre mecanismos de defesa. Ela estava ali, mas não estava; ele estava presente, mas não se comprometia. Perfeito, até o ‘match’ perdeu a validade. A princesa se cansou do desjejum e virou a página daquela série ‘soft porn’ matinal. Partiu para o próximo candidato a "solucionador da minha vida".
O corpo pedia um novo foco. Ela, sabiamente, trocou o sexo matinal utilitário por uma atividade física de redenção. Saiu da cama dele para a pista de caminhada no canteiro central da principal avenida do bairro. Uma decisão terapêutica e cardiovascular. A busca pela salvação trocou o divã pelo tênis de corrida. Enquanto caminhava, renovada, sentindo o vento no rosto e o ‘endorfinamento’ no cérebro.
Ela o viu. Ele. O Princeso do Alvorecer. Aquele que só podia encontrá-la no código secreto do raiar do dia, estava ali, caminhando na mesma pista pública, sob a luz do sol de uma manhã comum, de mãos dadas com uma senhora. E o acessório que selava o quadro, para dar aquela pitada de veneno no seu café da manhã, eram as alianças grossas nos dedos de ambos. Tão grossas que pareciam algemas de ouro maciço.
Ele estava ocupado, sim. Ocupado em ser o marido exemplar fora das quatro paredes em que se encontrava com a Cinderela moderna. Ela finalmente entendeu (ou não), que o resgate não viria de um príncipe, mas da certeza de que ela estava caminhando sozinha (e de tênis novo, o que é sempre um bom começo). A solidão ainda está lá, mas a urgência de preenchê-la com cafés clandestinos e homens ocupados, temporariamente, deu ‘match’ com a lixeira. E lá se foi ela, caminhando, mais leve.
No final, o conto de fadas de verdade é aquele em que a princesa se salva com terapia e atividade física.
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