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Por Isabel Gonçalves
Dona Maria é aposentada e recebe INSS. Ela percebeu que o benefício estava vindo menor. Logo contestou os descontos indevidos na sua folha de pagamento da previdência e pediu o reembolso do INSS. Depois de um tempo, ela recebeu uma ligação dizendo que teria que ir pessoalmente na agência de pagamento antes da data combinada. Chegando lá, ofereceram à ela um adiantamento (com juros), crédito consignado e mais um monte de penduricalhos no benefício. E nada do reembolso.
Além do mais recente golpe bilionário do INSS, os beneficiários enfrentam diversas dificuldades em receber a grana. Ofertas apelativas de crédito fazem com que no fim tudo pareça uma corrida com obstáculos, mas dessa vez os atletas são os velhinhos. Saiba como isso tudo afeta quem depende do benefício previdenciário.
A fraude no INSS
Em 23 de abril de 2025, o Brasil acordou com um escândalo bilionário envolvendo fraudes no INSS. A Operação Sem Desconto da Polícia Federal está investigando o caso que deixou mais de 5,4 milhões de aposentados e pensionistas com seus benefícios reduzidos por meio de descontos indevidos cobrados por associações que muitas vezes sequer existiam ou ofereciam serviços não autorizados.
Esses descontos entravam no extrato do benefício como se fossem de associações, direto na folha, mas sem que o aposentado tivesse dado o “ok”. Muita gente só descobriu a fraude quando viu que o pagamento tinha caído bem menor do que deveria. Agora, uma Medida Provisória promete devolver cerca de R$3,31 bilhões para ressarcir quem teve o benefício descontado indevidamente.
Como saber se fui descontado indevidamente?
Se você recebe algum benefício do INSS, o único jeito de ter certeza se foi descontado é dar aquela olhadinha no extrato de pagamento pelo app ou site do Meu INSS. É lá que aparecem todos os detalhes, e também onde podem surgir descontos esquisitos, como cobranças de associações que você nunca autorizou ou até empréstimos que não pediu.
Fique atento aos sinais:
- Descontos que você não reconhece.
- Valor do benefício menor do que o normal.
- Mensagens ou notificações estranhas que não fazem sentido.
Se algum desses pontos bateu, pode ser que você esteja entre as vítimas da fraude no INSS.
Como receber o reembolso do INSS?
Para contestar os descontos e pedir o reembolso até parece simples à primeira vista:
- Acesse o site meu.inss.gov.br ou o aplicativo Meu INSS no celular.
- No menu inicial, clique em “Consultar Descontos de Entidades Associativas”: o sistema mostrará todos os descontos vinculados ao seu benefício, incluindo o nome da entidade, o valor mensal e o período da cobrança.
- Selecione a opção “Contestar desconto” diretamente na plataforma se tiver algo que você não reconhece.
E quem não tem facilidade com celular ou internet, como faz? Afinal, o principal público do INSS não tem uma relação muito próxima com a tecnologia. Nesses casos, dá pra ligar gratuitamente para a Central 135 e pedir informações ou registrar a contestação. Outra opção é ir até uma agência do INSS mais próxima, levando documento de identidade e CPF, para solicitar o atendimento presencial.
Depois de contestar os valores, a associação responsável pelo desconto tem até 15 dias úteis para comprovar que você autorizou aquele desconto. Depois disso, você receberá uma proposta de reembolso e precisa aceitar o acordo. Esse processo pode ser feito tanto por site, aplicativo ou em uma agência dos Correios.
Quando será pago o reembolso do INSS?
Os primeiros pagamentos do reembolso do INSS aconteceram no dia 24 de julho. O reembolso está sendo pago em parcela única, na conta onde você já recebe seu benefício previdenciário. Quem não aderiu ao acordo tem até 14 de novembro de 2025 para contestar e participar do processo administrativo.
E o resultado disso tudo? Mais de 5 milhões de aposentados e pensionistas já solicitaram reembolso do INSS. Desses, 1,6 milhão foram atendidos, somando um total de 1 bilhão de reais em reembolso. E ainda tem mais vindo por aí.
Como funciona a folha de pagamento do INSS?
Se você é aposentado ou pensionista e percebeu a alteração no seu benefício é porque acompanha seu extrato de pagamentos todo mês. Mas sabe como ele funciona e quem é responsável? Ele mostra o valor que você tem direito, mas também os descontos que podem aparecer.
E quem gerencia esses pagamentos e o banco em que você deve receber o benefício são definidos por leilão. Desde 2010, a cada 5 anos o INSS faz um leilão e o banco ou a financeira que fizer a melhor proposta fica responsável.
Monopólio da Crefisa e a transferência para o Mercantil
Acontece que no último leilão - de outubro de 2024 - a Crefisa arrematou 25 dos 26 lotes para o pagamento dos benefícios. Em outras palavras, o Brasil (quase) inteiro tinha que ter conta na Crefisa para receber a previdência.
Mas você deve estar se perguntando: a Crefisa não é uma financeira voltada para empréstimos? Aí que começa a complicar. Tanto a ouvidoria do INSS quanto os Procons estaduais (e até a OAB) receberam diversas reclamações dos beneficiários, que afirmaram que a empresa estava dificultando ou impedindo o saque integral dos valores recebidos e fazendo venda casada de produtos, oferecendo empréstimos quando na verdade só tinha que pagar a aposentadoria. Uma verdadeira confusão.
Além disso, a Crefisa não é exatamente um banco. Não têm aquela estrutura de agências com ar condicionado e segurança 24h tal qual os tradicionais bancões. E aí, os saques acontecem em bancos 24h no meio da farmácia. Isso quando não é necessário seguir diversos passos online e pelo aplicativo, numa tentativa de modernizar o processo, que acaba dificultando tudo para os menos tecnológicos.
Como resultado, o INSS cancelou o contrato com a Crefisa e o banco Mercantil do Brasil assumiu 21 dos 25 lotes que eram da financeira. Isso significa que o INSS agora será pago pelo Mercantil, se o beneficiário não fizer a portabilidade.
E o crédito consignado no meio disso tudo?
A última notícia nessa teia de confusões do INSS é o cancelamento da autorização de financeiras de oferecer o crédito consignado para os beneficiários, por não cumprir o requisito do “não perturbe”.
O crédito consignado é um tipo de empréstimo voltado para aposentados e pensionistas do INSS, em que o pagamento das parcelas é descontado diretamente do benefício, antes mesmo de cair na conta do segurado. Na prática, o beneficiário escolhe o banco ou financeira, assina o contrato e passa a ter parcelas descontadas automaticamente todo mês. Mas antes disso, entram as ofertas excessivas de crédito e possibilidades de golpe.
Pela primeira vez, o INSS proibiu 8 instituições de oferecerem o crédito consignado para os aposentados e pensionistas, isso porque eles não tinham o “não perturbe”, ferramenta que bloqueia ligações indesejadas e tem o objetivo de impedir o assédio ao público mais vulnerável.
Pode parecer bobeira mas não é: quem já é aposentado ou pensionista sabe que, às vezes, parece que o telefone não para de tocar com ofertas de empréstimo, promoções milagrosas ou aquelas promessas de dinheiro fácil que caem do céu. A realidade é que esse assédio constante pode confundir qualquer um e até fazer com que alguém concorde, mesmo sem querer, com um contrato que vai comprometer uma boa parte do benefício.
Com a medida do INSS de excluir essas instituições, pelo menos parte desse bombardeio foi contida, garantindo que os segurados tenham um pouco mais de tranquilidade para decidir com calma antes de pegar qualquer empréstimo.
Conclusão: no fim das contas, o benefício é seu
A Dona Maria do início da história e tantos outros aposentados vivem uma verdadeira maratona: entre descontos indevidos, fraudes bilionárias, mudanças de banco e ofertas de crédito que não param, manter o benefício intacto é quase um esporte radical.
Mas a boa notícia é que agora há ferramentas para contestar, reembolsos chegando e regras mais claras para conter abusos. Com atenção, paciência e um pouco de cuidado com o telefone tocando sem parar, dá para recuperar o que é seu e ainda evitar ciladas.
Se você não é aposentado, mas seus pais ou alguém próximo depende do benefício, fique de olho aberto. O INSS continua dando o que falar, mas o aposentado não pode entrar nesse jogo de olhos fechados, pode e deve ficar de olho no que é seu por direito. Afinal, essa sucessão de erros e trapaças demonstram que o próprio INSS não consegue cuidar dos aposentados e pensionistas como deveria.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.