Por Isabel Gonçalves
Ser motorista de aplicativo já deixou de ser “bico” faz tempo. Para mais de 1,7 milhão de brasileiros, é o trabalho principal e, muitas vezes, o único sustento da família. Só que, assim como o carro precisa de combustível, às vezes o bolso também precisa de fôlego. E é aí que entra a questão: como acessar crédito mais barato, sem cair em juros abusivos?
Recentemente, o governo resolveu dar uma carona nessa discussão e anunciou que o novo crédito consignado CLT agora também vale para motoristas e entregadores de app. A promessa? Taxas mais baixas e menos burocracia. Mas será que o jogo é tão simples assim?
O que é o crédito consignado?
O crédito consignado é um tipo de empréstimo em que a parcela é descontada direto da fonte: salário, aposentadoria, pensão (e agora também dos repasses das plataformas de transporte). Essa cobrança automática diminui o risco de inadimplência para os bancos, que podem oferecer taxas bem mais em conta do que no crédito pessoal tradicional.
No caso dos trabalhadores com carteira assinada, o novo programa do Governo Federal Crédito do Trabalhador já movimentou mais de R$21 bilhões em contratos para 3 milhões de pessoas. Tudo feito pela Carteira de Trabalho digital, sem intermediação do patrão.
Como funciona o empréstimo para motoristas de aplicativo?
Mas e para quem roda como autônomo? A atualização mais recente do programa é que os motoristas de app também podem solicitar um crédito consignado. De acordo com a Lei 15.179/2025 a regra é parecida: o motorista pega o empréstimo no banco e a parcela é descontada dos repasses da corrida antes mesmo de chegar na conta. Nada de boleto, nada de esquecimento, o débito é automático. Mas como isso vai funcionar na prática?
Quem pode pedir
Não basta ter feito o cadastro no app e rodado uma vez ou outra. O empréstimo só vale para motoristas ativos, com corridas recentes e vínculo em dia com a plataforma. Afinal, o banco não quer emprestar para quem estacionou de vez.
Passo a passo para contratar
O empréstimo para motorista de aplicativo ainda está sendo colocado em prática, mas o roteiro deve seguir esta lógica:
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Conferir se o app tem parceria com bancos e financeiras.
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Entrar em contato com a financeira e solicitar o crédito consignado.
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Apresentar histórico de corridas ativas como comprovação de renda.
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Fazer a assinatura digital com biometria, garantindo mais segurança.
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Respeitar o limite de 30% da renda comprometida com as parcelas.
Diferente do modelo CLT, em que há um “leilão” de taxas pelo sistema da Carteira de Trabalho digital, o motorista autônomo tem menos margem de comparação: as condições dependem do banco escolhido e do convênio do app.
Ah, e para pagar o empréstimo de forma automática, é preciso receber os repasses em uma conta específica da titularidade do motorista. Essa conta é definida junto com o banco na hora de fechar o contrato. Só depois de pagar todo o empréstimo, é possível trocar a conta de recebimento.
Vantagens e desvantagens do empréstimo para motorista de aplicativo
A principal promessa do consignado para motoristas de aplicativo está no desconto automático direto no repasse do app. Se realmente for implementado, pode representar um alívio: taxas menores, valores maiores de crédito e menos burocracia, já que o histórico de corridas e recebimentos substitui a comprovação formal de renda. Na teoria, isso colocaria os motoristas em uma posição de maior acesso ao crédito, algo que até então ficava restrito a quem tinha carteira assinada.
Mas a realidade mostra um outro lado. O acesso ao empréstimo continua preso aos aplicativos, o que reforça ainda mais a dependência das plataformas. O ambiente de leilão de taxas do consignado CLT não vale aqui, o que significa menos concorrência entre bancos e, consequentemente, menos chance de condições realmente vantajosas. E até agora, as novidades ficaram mais no discurso do que na prática: nenhuma parceria inédita foi anunciada, e os motoristas seguem à mercê de promessas que pouco mudam sua rotina financeira.
Conclusão: crédito não é corrida grátis
O consignado para motoristas de aplicativo surge em um momento em que a categoria cresce sem parar: de 2022 a 2024, só no transporte de passageiros, o salto foi de 35%, chegando a 1,72 milhão de trabalhadores. E esse número é ainda maior se incluídos os entregadores. Por isso, o governo apresenta a medida como solução, mas na prática ela não altera muito a estrutura de dependência que ainda prende esses profissionais aos aplicativos.
O crédito pode até aliviar o bolso, se implementado de maneira mais transparente, mas não deixa de ser mais uma dívida. Por isso, antes de embarcar nessa corrida, vale avaliar bem: pesquisar taxas, comparar cenários e entender se o consignado vai ser uma ajuda real ou apenas mais um peso no fim do mês.