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Por Alexia Diniz
Quando decidi mergulhar no universo da educação financeira, não imaginava o quanto isso mudaria minha forma de ver o mundo (e de me relacionar com as pessoas). Na UFMG, tive a oportunidade de fundar a Clínica Financeira Universitária, um projeto que nasceu para atender gratuitamente famílias endividadas e mostrar que, com orientação, é possível retomar o controle do dinheiro e da vida.
Pouco tempo depois, passei a trabalhar também aqui no Educando Seu Bolso, um espaço independente que busca traduzir o economês em linguagem simples e acessível, sempre com o olhar crítico de quem está do lado do consumidor. Nesse percurso, conheci o Meu Bolso em Dia, apesar de ser um programa da FEBRABAN que admiro pela capacidade de atender brasileiros com conteúdos e ferramentas práticas sobre controle financeiro. Bom, diante de todas essas ferramentas, porque ainda tem tanta gente endividada?
Por que o controle financeiro é tão difícil no Brasil?
Antes de mergulhar nos programas, vale entender o contexto. A pesquisa “Saúde Financeira do Brasileiro 2024”, conduzida pela FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos), mostra que grande parte da população ainda não consegue equilibrar renda e despesas. Muitos brasileiros terminam o mês no vermelho, dependendo de crédito caro como cartão de crédito ou cheque especial.
Não se trata apenas de falta de disciplina. O problema vem do berço: baixa renda, inflação, pouca tradição na poupança e uma avalanche de ofertas de crédito rápido. Em meio a isso, falar em educação e controle financeiro se torna um ato de resistência, quase como aprender a nadar em um rio de correnteza forte. Então gostaria de apresentar pra vocês três iniciativas que tentam levar a Educação Financeira para todos.
Meu Bolso em Dia: plataforma institucional
Uma das iniciativas mais relevantes nesse campo é o Meu Bolso em Dia, criado pela FEBRABAN. Eles buscam oferecer ferramentas que ajudem o cidadão comum a organizar suas contas, planejar gastos e entender o sistema financeiro. O site reúne desde artigos e dicas práticas até simuladores que mostram, por exemplo, quanto custa financiar um carro ou imóvel ou como montar uma reserva de emergência.
O diferencial do programa está no alcance. Por ter o apoio dos bancos (Febrabran), o Meu Bolso em Dia consegue dialogar com milhares de pessoas e, de certa forma, funciona como uma porta de entrada para quem nunca teve contato com o tema. Em vez de falar de investimentos sofisticados, a ênfase está em passos básicos: entender o orçamento, planejar dívidas, comparar taxas de juros.
Esse é um ponto importante. Falar de controle financeiro não é apenas ensinar alguém a usar planilha ou aplicativo, mas mostrar de forma didática como as pequenas decisões diárias (como parcelar uma compra ou pagar uma conta atrasada) impactam o futuro financeiro.
Por que os bancos se preocupam com educação financeira?
Convenhamos, banco não vira ONG da noite para o dia. Quando a FEBRABAN lança um programa de educação financeira como o Meu Bolso em Dia, não é porque de repente os executivos acordaram pensando em como salvar a vida financeira do cidadão comum. Existe, sim, uma exigência regulatória do Banco Central, que cobra das instituições mais responsabilidade na forma como oferecem crédito.
A lógica é simples, um cliente totalmente perdido com o próprio dinheiro até pode render lucros a curto prazo, pagando juros absurdos no cheque especial ou no rotativo do cartão. Mas, quando a inadimplência explode, quem perde também são os bancos. Um cliente quebrado deixa de ser cliente.
Então, se a imagem vendida é de altruísmo, a realidade é bem mais pé no chão: educação financeira virou estratégia de sobrevivência do próprio sistema bancário. É claro que o discurso vem embrulhado em boas intenções, mas no fundo o objetivo é reduzir calotes, melhorar relacionamento e manter a engrenagem girando.
No fim, todo mundo ganha um pouquinho. O consumidor aprende a se organizar melhor, os bancos perdem menos dinheiro com inadimplência, e o Banco Central pode dizer que está ajudando a criar um mercado mais saudável. Só não caia na ilusão de que é pura generosidade, é negócio.
Educando Seu Bolso: a voz independente
Se o Meu Bolso em Dia tem a força institucional dos bancos por trás, nós do Educando Seu Bolso surgimos para ser justamente o contraponto: uma voz independente, sem rabo preso com ninguém. Desde o começo, a proposta clara foi traduzir o “economês” para a vida real das pessoas, sem jargão técnico e sem enrolação. Fundado por especialistas da área de finanças, com intuito de criar ferramentas e responder dúvidas cotidianas.
O blog nasceu da ideia de que educação financeira precisa ser prática, conectada ao dia a dia de quem paga boleto, cartão de crédito, pensa em comprar uma maquininha ou abrir uma conta digital. Em vez de repetir discursos prontos de instituições financeiras, o EsB se posiciona ao lado do consumidor, analisando tarifas, comparando produtos, expondo pegadinhas de marketing e mostrando, na prática, como pequenas escolhas fazem diferença no bolso.
Colocamos a mão na massa
E essa independência não ficou só no discurso. Ao longo dos anos, o Educando Seu Bolso desenvolveu ferramentas gratuitas que ajudaram milhões de pessoas a organizar melhor suas finanças:
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Comparador de carro por assinatura, que mostra se compensa você comprar, alugar ou financiar um carro.
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Ranking de contas digitais, atualizado periodicamente, que avalia taxas, serviços e vantagens de bancos e fintechs.
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Simulador de investimentos, para ajudar o investidor iniciante a visualizar o poder do tempo e dos aportes.
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Comparador de maquininha, que compara as taxas, valores e qual maquininha te atende melhor.
Esses rankings e simuladores colocam os produtos financeiros “no mesmo campo de jogo”, permitindo que o consumidor compare de forma justa e escolha de acordo com sua realidade.
Porque controlar o dinheiro não é decorar fórmulas, é conseguir, no dia a dia, escolher aquilo que pesa menos no bolso e rende mais no futuro.
Clínica Financeira da UFMG: o olhar social
Enquanto isso, lá no universo jovem da UFMG, existe a Clínica Financeira Universitária, que prova que educação financeira também pode ter um lado social. Funciona assim: pessoas endividadas ou que não conseguem se organizar com o dinheiro podem ser atendidas de graça e sair de lá com um plano para colocar a vida em ordem.
Quem faz o atendimento são os alunos do curso de Controladoria e Finanças. Ou seja, é meio que um treino prático para os estudantes e, ao mesmo tempo, uma baita ajuda para quem já não sabe mais por onde começar a pagar as contas.
E aqui o papo de controle financeiro não fica só na teoria, não. O pessoal senta junto, analisa as contas, pensa em como renegociar dívidas, organiza um orçamento que caiba no bolso e dá dicas reais para sair do sufoco. Para muita gente, é a primeira vez que alguém escuta sua história financeira sem julgamento e mostra que existe saída.
Desenrola Brasil: a força da política pública
Se o Meu Bolso em Dia nasce dentro dos bancos, o Educando Seu Bolso da independência e a Clínica Financeira Universitária traz a pegada social, o Desenrola Brasil entra em cena como política pública. Lançado pelo Governo Federal em 2023, o programa não se limita a renegociar dívidas: ele também carrega a bandeira da educação financeira como caminho para evitar que o problema se repita.
Na prática, o Desenrola Brasil ajudou milhões de pessoas a limpar o nome, oferecendo descontos e condições de pagamento mais acessíveis. Mas o programa também veio acompanhado de campanhas educativas, reforçando a ideia de que não adianta apenas “zerar os boletos” se o comportamento de consumo continuar o mesmo. É preciso aprender a planejar, organizar e ter um mínimo de controle financeiro para não cair no ciclo eterno de endividamento.
O diferencial aqui é o alcance. Como se trata de uma ação nacional, o Desenrola Brasil consegue chegar a camadas da população que dificilmente acessariam conteúdos de educação financeira por conta própria. É o Estado assumindo um papel ativo em levar informação e condições reais de renegociação a quem está sufocado pelas dívidas.
No fundo, o recado é parecido com o das outras iniciativas: controlar o dinheiro é libertador. Mas, nesse caso, a mensagem ganha ainda mais força porque vem acompanhada de algo muito concreto, a chance de renegociar e recomeçar.
O que essas experiências ensinam?
Apesar das diferenças de origem e público, o Meu Bolso em Dia, o Educando Seu Bolso, Desenrola Brasil e a Clínica Financeira da UFMG convergem em um ponto: o controle financeiro precisa ser aprendido e exercitado. Não basta esperar que cada indivíduo descubra sozinho como administrar seu dinheiro em um mundo de consumo agressivo e crédito fácil.
Esses programas mostram que, com orientação e ferramentas adequadas, qualquer pessoa pode dar passos importantes rumo à estabilidade financeira. É o caso de quem aprende a usar a regra do 50/30/20 para organizar gastos, de quem descobre a importância de uma reserva de emergência ou de quem, finalmente, renegocia dívidas impagáveis e recupera a tranquilidade.
Conclusão: o que realmente ajuda é a Educação Financeira
Falar de controle financeiro no Brasil é quase sempre um exercício de sobrevivência, e não de luxo. É ótimo termos iniciativas como o Meu Bolso em Dia, o Educando Seu Bolso, a Clínica Financeira da UFMG e o Desenrola Brasil. Cada uma, à sua maneira, joga luz em um problema crônico: a dificuldade do brasileiro em lidar com o próprio dinheiro.
Mas sejamos francos, nenhum desses programas resolve o problema sozinho. O Meu Bolso em Dia, por exemplo, existe porque os bancos não querem perder clientes afogados em dívidas, não é filantropia, é autopreservação.
Nós do Educando Seu Bolso seguimos nadando contra a maré, tentando traduzir um sistema financeiro cheio de letrinhas miúdas que foi desenhado para ser confuso.
A Clínica Financeira faz o que pode com recursos limitados, ajudando gente que nunca foi prioridade para o mercado.
E o Desenrola Brasil até dá um respiro, mas não deixa de ser um band-aid em uma ferida aberta: renegocia hoje, mas amanhã a roda da inadimplência gira de novo.
No fundo, o controle financeiro nunca vai cair de paraquedas na vida de ninguém. Não espere que bancos, governo ou até mesmo um projeto universitário resolvam toda a sua vida financeira. Eles ajudam, sim, mas a escolha de mudar hábitos, cortar excessos e encarar o próprio extrato continua sendo individual.
É duro admitir, mas o Brasil ainda trata educação financeira como remendo, não como prevenção. E enquanto isso, milhões seguem vivendo no piloto automático, confiando em limite de cartão como se fosse salário. Talvez o maior aprendizado seja entender que, no fim do dia, cada real mal gasto vira lucro para alguém.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.