Leon Myssior
Leon Myssior
Leon Myssior é Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR, fundador do INSTITUTO CALÇADA e acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou.
GELEIA URBANA

Aumentos, aumentos, e mais aumentos

Os imóveis cada vez menos acessíveis à média e baixa rendas, mas esse é um desastre que pode ser evitado

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O bairro Anchieta figura, há mais de um década, como uma das estrelas da zona sul para o mercado imobiliário, e a explicação é fácil: um bairro completo, com todas as amenidades, serviços e comércio à mão, estrategicamente localizado, fácil de entrar e sair, razoavelmente bem arborizado. A demanda e os preços crescentes dos imóveis na região fazem sentido.

O bairro já era assim no início dos anos 2000, mas o mercado imobiliário era menor, menos maduro, e os compradores com maior poder aquisitivo buscavam localizações "consagradas", como Lourdes e Santo Agostinho. Parte do público iniciava o êxodo para o Belvedere, mas o Anchieta já despertava interesse, e ganhava atenção crescente.

Um imóvel de alto padrão no bairro Anchieta custava, no início dos anos 2000, algo como R$1.650,00/m2. Não era uma pechincha e, embora menos caro que Lourdes e Santo Agostinho (na faixa entre R$2.000,00 a R$2.500,00/m2), já era mais caro que o Belvedere (faixa entre R$1.000,00 e R$1.400,00/m2).

 

Para que um imóvel pudesse ser produzido e vendido nessa faixa de preço (R$1.650,00/m²), o custo de construção de cada m² não podia superar a casa dos R$800,00/M². E não superava mesmo, tanto é que o Custo Unitário Básico (CUB) para Minas Gerais oscilou entre R$408,92 em 2000 a R$474,00 em 2002).

O CUB, para quem não está familiarizado, cobre os custos básicos de uma obra, mas deixa de fora fundações, contenções, elevadores, revestimentos especiais, acabamentos melhores e mais uma série de itens que qualquer prédio na zona sul de Belo Horizonte (MG) incorpora. O normal é, numa estimativa rasteira, dobrar o valor do CUB para estimar o custo de construção. Assim, entre os anos 2000 e 2002, os custos de construção de alto padrão devem ter ficado na faixa entre R$800,00 e R$950,00/m²).

E a diferença entre esse custo de obra e o valor de venda? Fica com o terreno (a fração ideal do terreno que incide sobre cada unidade), o marketing, a publicidade, comissões pelas vendas, projetos, consultorias, pessoal próprio e terceirizado, custo fixo da empresa, cartório, taxas e, finalmente, impostos. O resultado? Só depois disso tudo, e de vários anos.

O risco é imenso e as margens bastante reduzidas, sobretudo num negócio de longo prazo onde, uma vez definido o negócio e o projeto, muito pouco pode ser feito no caso de piora do cenário econômico, escassez de financiamento, aumento do custo, inflação, instabilidade política e institucional, pandemias.

Muito risco, pouca margem, muita geração de empregos e ativação de centenas de subsetores da economia: esse é o negócio da incorporação imobiliária, e ainda assim, talvez pelo enorme volume de recursos movimentados, a visão que se tem é de grandes margens e muita facilidade. Com essa percepção, não espanta que os operadores das políticas urbanas estejam sempre mapeando caminhos para promoção de “justiça social” no mercado imobiliário, ora com novas taxas, ora com a redução do potencial construtivo dos terrenos, ora com a venda desse potencial que já existiu, mas foi reduzido.

Falamos do início dos anos 2000, e agora voltamos para 2025, e para o mesmo bairro, o Anchieta, cujos lançamentos continuam, 25 anos depois, replicando os mesmos produtos com características bastante semelhantes (tanto nas unidades quanto nas áreas comuns do prédio).

A diferença está, basicamente, nos valores: enquanto o CUB veio de R$408,92 em 2000 para R$2.978,86 em julho de 2025 (aumento de 628%, ou 7,2x maior), o custo do m² construído, segundo vozes do mercado, subiu ainda mais, oscilando entre R$6.400,00 e R$7.500,00/m², quase 8,0x mais nesses 25 anos. Para referência, o valor atual do CUB, em dólares norte-americanos, equivale, hoje, ao dobro do que pelos idos de 2001 e 2002.

E os valores de venda? Vieram de R$1.650,00/m2 para uma mais de R$17.000,00 (chegando a R$19.000,00/m²), um aumento entre 10 e 11 vezes sobre os preços de 2000. Pode-se dizer que o Anchieta “cresceu” no mercado imobiliário - e isso é verdade, e que o bairro “subiu” no ranking de bairros mais desejados.

Sob qualquer perspectiva, quando o valor de venda sobe 50% a mais do que os custos de obra ao longo do tempo, a expectativa (ou a leitura mais fácil) é que as margens do negócio subiram, e que o negócio se tornou mais lucrativo, mas a realidade é outra: a distância entre valor de venda e o custo da construção não trouxe ganhos de rentabilidade para o incorporador; não raro, ao contrário, apertou a margem e aumentou o risco do negócio.

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Nesse ponto, as perguntas passam a ser mais importantes do que as respostas, e a primeira delas é: se o “espaço” entre custo e venda foi ampliado - e as incorporadoras não estão capturando mais rentabilidade em cada empreendimento, para onde foi essa margem?

A explicação é, novamente, fácil: no cenário atual, com poucos terrenos e o potencial de cada um deles estrangulado pelo Plano Diretor, com legislação extremamente restritiva, temos hoje o pior dos mundos. Temos uma cidade que perde densidade, enquanto o estoque de terrenos segue diminuindo; temos lotes com menor potencial construtivo, enquanto temos a prefeitura vendendo de volta esse coeficiente que já existiu, mas foi reduzido; temos uma cidade que se espalha enquanto o poder municipal sofre com recursos para manter e melhorar a infraestrutura urbana; temos uma população de média e baixa renda obrigada a morar em outros municípios, enquanto o sistema de transporte público e o trânsito agonizam.

Temos, ainda, mais taxas, impostos maiores, custos cartoriais elevadíssimos, maior burocracia e fiscalização nas obras, mais prazo para aprovação dos projetos, mais restrições urbanísticas, mais compliance, mais tudo.

É momento de as entidades ligadas ao mercado imobiliário e setor da construção civil se debruçarem sobre a composição e o impacto desses custos (impostos, taxas, emolumentos, compra de potencial construtivo adicional) no valor de custo e de venda dos apartamentos. É crucial demonstrar o impacto (e o sobrepreço) decorrente dos impostos, taxas e custos decorrentes das políticas públicas, de forma que a população tenha conhecimento e clareza das razões pelas quais os imóveis seguem subindo.

Ao trazer tangibilidade e calcular o impacto financeiro que a insegurança jurídica e o tempo excessivo para análise e concessão de permissões exercem sobre o valor de venda dos imóveis, poderemos criar estratégias para combater a dificuldade em tornar os imóveis mais acessíveis à média e baixa renda.

Dados, informações e transperência.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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