Desde que as plataformas de streaming começaram a dominar as nossas vidas, principalmente na indústria da música, houve uma mudança na relação das pessoas com os artistas. Se antes precisávamos escolher o artista a ser escutado comprando um álbum, com a chegada do streaming, foi criada a infidelidade artística, em que as pessoas passaram a fazer escolhas por música, chegando ao ponto de nem saber qual artista estava cantando nem reconhecer se ele é humano ou criado por prompts.


Conversando com meu parceiro e amigo Leoni sobre as mudanças no mercado musical, ele se lembrou de uma passagem do livro “Música, ídolos e poder - do vinil ao download”, do André Midani, que comenta como a indústria da música mudou com a chegada dos grupos financeiros às gravadoras. A frase dita por um investidor foi algo parecido com: “A indústria da música é muito rentável, o que atrapalha são os artistas, pois eles dão muito trabalho”.


Mas o que faz a música ser interessante é exatamente a criatividade dos artistas. Sem eles, as gravadoras seriam iguais a uma padaria que produz pães em série. O diferencial são as pessoas que conseguem organizar a confusão criativa dos artistas.

 


A gestão da criatividade não é um problema só da área cultural. Isso acontece em todos os setores da economia. As empresas de tecnologia investem em inovações que podem demorar anos para dar retorno. Só em IA e data-centers, os investimentos chegam até US$ 320 bilhões neste ano, entre as big techs Meta, Amazon, Alphabet e Microsoft.


Assim como em outros setores, a indústria musical também passa pelo processo de criação, desenvolvimento e distribuição de um produto. Quando aparece uma nova mistura musical, o conceito é replicado em série, criando o que chamamos de movimento cultura.


Atualmente, temos as fábricas de canções em quase todos os estilos musicais. Nos estilos urbanos, como Funk e Trap, temos gravadoras que lançam centenas de músicas por mês em busca do próximo sucesso da temporada.


Com a chegada da Inteligência Artificial, estamos passando por mais uma transformação. A invasão dos “artistas” digitais está assustando o meio musical. Neste momento entra a criatividade dos artistas e produtores que já começaram a usar a IA em favor da criatividade. O produtor Timbaland acaba de criar uma gravadora especializada em artistas virtuais. Tenho certeza de que ele criará ótimas músicas, como sempre fez.

 


As grandes gravadoras estão fechando parcerias com as empresas criadoras de canções feitas com IA. Às vezes, fico com a sensação de que estão tentando ficar com os ouvintes só pra elas, tentando eliminar um intermediário chamado “artista”. Mas prefiro pensar que elas estão apenas antecipando um grande movimento que já começou e não querem ficar de fora da próxima onda.


Concordo que uma parte dos artistas realmente dá algum trabalho. Mas esse é o preço a se pagar pela indústria criativa. A criatividade não vem da organização. Ela vem da liberdade, do caos, da capacidade de conectar coisas aparentemente impossíveis. Da capacidade de enxergar as dores da sociedade e transformar isso em arte ou produto.


Os processos criativos, na indústria da música ou em qualquer grande empresa, passam por erros e acertos. Os artistas erram, assim como as empresas também.


Um dos livros mais interessantes que li nos últimos anos é “Roube como um artista”, de Austin Kleon. Ele defende a combinação de ideias e referências de pessoas que a gente gosta para termos inspiração e irmos além na imaginação.

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Posso parecer maluco, mas sucessos efêmeros como “Caneta azul” jamais seriam criados por IA. Essa cultura da diversão pela diversão vem da nossa capacidade natural de extrapolar os padrões. Quando uma IA apresenta uma resposta errada, já dizem que ela está alucinando. Talvez seja o ponto mais próximo de um ser humano a que ela já chegou.


Até agora, o que mais ganhamos com a Inteligência Artificial foi um pouco mais de tempo. Acho que vou aproveitar esse ganho para aprender coisas diferentes, talvez até entender como fazer um pão artesanal.

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