
Morte na Papuda deu um ''herói'' aos ''patriotas'' bolsonaristas
''Prisões por tempo indeterminado, sem condenação transitada em julgado, continuarão sendo arroz de festa nos presídios brasileiros''
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liberdade provisória a quatro presos pelos ataques golpistas de 8 de janeiro. Relator das investigações sobre o 8 de janeiro, quando as sedes dos três Poderes da República foram invadidas e depredadas, Moraes vem sendo acusado pela oposição de adotar métodos autoritários nas investigações sobre os extremistas de direita. Os presos liberados terão que cumprir medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.
Jaime Junkes, Tiago dos Santos Ferreira, Wellington Luiz Firmino e Jairo de Oliveira Costa estavam na mesma situação do bolsonarista Cleriston Pereira da Cunha, de 46 anos, que morreu na segunda-feira, no Centro de Detenção Provisória II do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Todos cumpriam prisão preventiva por envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro passado. Cleriston morreu durante o banho de sol. Segundo a Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal, teve um mal súbito e precisou de atendimento médico. Os médicos do presídio e, em seguida os bombeiros e o Samu, aplicaram o protocolo de reanimação cardiorrespiratória, sem sucesso.
Alexandre de Moraes, relator do inquérito, informou que Cleriston recebia atendimento médico regular na prisão. E também visitas regulares da mulher e das filhas. O problema é que em agosto, a defesa de Cleriston pedira revogação da prisão, sem prejuízo de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica. Segundo a defesa, Cleriston sofria com sequelas da COVID. Em setembro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) concordou com o pedido, mas ministro Moraes nada decidiu sobre o caso.
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No domingo de 8 de janeiro, houve uma tentativa de golpe de Estado, mas ninguém morreu em confrontos com os agentes de segurança. A morte de Cleriston na Papuda, numa situação clara de prisão arbitrária, porém, deu um “herói” aos partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro. Simbolicamente, para a oposição, sua morte equivale ao suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que havia sido preso, despido, algemado, em 14 de setembro de 2017, durante a Operação Lava-Jato. A foto do magnífico reitor com uniforme de laranja ainda circulava nas redes sociais, quando seu suicídio reascendeu os debates sobre os métodos de policiais e promotores da força-tarefa de Curitiba, comandada pelo então juíz federal Sérgio Moro.
Até então, desde que a Lava-Jato fora deflagrada, em 2014, um assessor do ex-ministro Antonio Palocci, Branislav Kontic, e o almirante Othon Silva, o ex-presidente da Eletronuclear, haviam tentado o suicídio. A morte de Cancellier, porém, provocou uma onda de críticas de entidades, magistrados e políticos contra o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal. O Senado, àquela época, com 24 parlamentares investigados pela Lava Jato, aprovou um voto de pesar por Cancellier.
Processo legal
Para o ex-senador Nelson Wedekin, com quem Cancellier trabalhou por mais de uma década, a prisão do reitor fora violenta e arbitrária. A diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu uma nota criticando o que chamam de “espetacularização do processo penal”. O resto da história sobre a Lava-Jato todos conhecem. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido condenado e preso, teve sua condenação anulada pelo Supremo, candidatou-se à Presidência e voltou ao Palácio do Planalto.
Prevaleceu o devido processo legal, que havia sido desrespeitado no decorrer da Lava-Jato. É mais ou menos o que vai acabar acontecendo com os réus do 8 de janeiro que não tiverem seus direitos respeitados, ainda que hoje exista gana dos ministros do Supremo contra os bolsonaristas que vilipendiaram, invadiram e depredaram a corte.
A Constituição Federal brasileira garante que ninguém será privado da liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV). Esse é o princípio que subordina todos os demais, com alcance amplo sobre a vida, a liberdade e a propriedade. Isso significa direito à citação e ao conhecimento da acusação; a um juiz imparcial; ao arrolamento de testemunhas e à elaboração de perguntas; ao contraditório (contrariar provas, inclusive); à defesa técnica; à igualdade entre acusação e defesa. Ninguém pode ser acusado ou processado com base em provas ilícitas, nem obrigado à autoincriminação.
Por essas e outras, nesta quarta-feira, por 52 votos a favor e 18 contrários, o Senado aprovou PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita o poder monocrático dos ministros do Supremo para sustar decisões do Executivo e do Judiciário por medida cautelar. É uma reação do Congresso a decisões individuais contra os demais poderes. Entretanto, prisões por tempo indeterminado, sem condenação transitada em julgado, continuarão sendo arroz de festa nos presídios brasileiros. Hoje, o Brasil possui mais de 900 mil presos. Desse total, cerca de 44% são provisórios, ou seja, ainda não foram condenados, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.