A decisão de redistribuir para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a relatoria da ação movida pelo Psol contra a sustação do decreto do IOF que amplia e transfere o estresse entre Executivo e Legislativo para a corte. Ainda mais porque o ministro é o relator das ações contra os golpistas de 8 de janeiro de 2023, que estão sendo julgadas na Primeira Turma, sendo o ex-presidente Jair Bolsonaro o mais importante dos réus. Embora a constitucionalidade da decisão do Congresso seja questão técnica, o que está em xeque é a relação de poder entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Ao editar o decreto que reonerava parcialmente o IOF em operações de crédito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscava reforçar a arrecadação em linha com os compromissos do novo arcabouço fiscal. No entanto, encontrou ampla resistência no Congresso Nacional, que derrubou o decreto em uma rara convergência entre oposição, o Centrão e parte da base governista. A decisão foi uma demonstração de que o Legislativo não aceitará aumentos de carga tributária via regulamentos infralegais, ainda que baseados em leis vigentes.
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A decisão abriu uma disputa política entre Lula e os aliados do Centrão, que estão com um pé em cada canoa, ou seja, participam do governo e, ao mesmo tempo, se opõem. Na guerra de narrativas, que envolve a tributação de setores considerados privilegiados pela atual ordem prioritária, o governo assume o papel de Robin Hood, o herói medieval que tira dos riscos para distribuir aos mais pobres, posição que obviamente desagrada e provoca reação das lideranças do Congresso. A volta do “nós contra eles” de parte de Lula acirra ainda mais a radicalização, que transborda da política fiscal para a questão social.
Do ponto de vista institucional, o que está em jogo agora é a interpretação do artigo 49, inciso V, da Constituição, que dá ao Congresso o poder de sustar atos do Executivo que exorbitem o poder regulamentar. O STF terá que decidir se o decreto do IOF apenas regulamentava a lei existente — portanto legítimo — ou se ultrapassava os limites da regulamentação, configurando uma alteração de conteúdo que exigiria aprovação parlamentar. A escolha de Alexandre de Moraes como relator acirra a polêmica sobre a questão. A matéria originalmente foi distribuída ao ministro Gilmar Mendes, porém, foi redistribuída pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, porque Moraes já era relator de uma ação correlata.
Moraes é protagonista de dois casos judiciais de alta tensão política: os inquéritos das fake news e os eventos do 8 de janeiro. Sua condução do processo será observada de perto por todos os poderes, e sua decisão poderá tanto restaurar a autoridade do Executivo quanto reforçar o papel fiscalizador do Congresso. Independentemente do desfecho, a judicialização da crise evidencia o esgotamento da capacidade de articulação política do governo. Sem base sólida no Congresso e enfrentando uma agenda legislativa volátil, o Planalto volta-se cada vez mais ao Supremo em busca de respaldo jurídico para medidas que não consegue sustentar politicamente.
Ciranda política
É um momento perigoso. Ao transformar o STF em árbitro constante de disputas entre os poderes, corre-se o risco de corroer a confiança nas soluções políticas e sobrecarregar a corte com decisões que deveriam ser resolvidas no terreno da negociação institucional. A batalha do IOF, portanto, é uma face da crise de governabilidade que marca o presidencialismo de coalizão em seu estágio mais frágil. Resta saber se o Supremo, ao decidir, contribuirá para pacificar o cenário ou aprofundará a sensação de que, no Brasil, o Judiciário é a última trincheira da política.
Diante da derrota no Legislativo, o Psol entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), alegando que a sustação do decreto pelo Congresso violaria o princípio da separação dos poderes, pois o Executivo apenas regulamentou um imposto previsto em lei. Há precedentes importantes do STF que tratam dos limites da atuação do Congresso frente a atos do Executivo, que podem ser sustados se excederem o poder regulamentar (art. 49, V da Constituição). Entretanto, o Congresso não pode sustar decretos legítimos de execução de leis já aprovadas.
A análise de Moraes deve se concentrar em saber se o decreto do IOF meramente executava a lei existente ou se, na prática, alterava o conteúdo tributário, o que exigiria aprovação legislativa. Uma decisão do STF pacificaria a questão, porém, não é assim que a banda toca. O governo aposta no STF para restaurar o decreto e reforçar a autoridade presidencial em matéria tributária e fiscal. Uma vitória daria fôlego à equipe econômica de Haddad e ao discurso de responsabilidade fiscal. Entretanto, se STF revogar a sustação, o Legislativo pode se sentir desautorizado, o que tende a aumentar o espírito de revanche nas próximas votações. Em qualquer situação, é importante que Moraes seja visto como árbitro partidário, o que exige um voto com forte.
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Trocando em miúdos, a judicialização do caso do IOF é mais um episódio da crise de governabilidade estrutural entre Lula e o Congresso. A fragilidade da coalizão política do governo e a autonomia do Congresso, comandado por lideranças que operam com lógica orçamentária e pragmática, criam um cenário instável. Alexandre de Moraes será testado mais uma vez como guardião da institucionalidade, como figura central no equilíbrio entre Poderes.