Não se deveria dar às crianças, nem aos governos, brinquedos, ou poder, superiores a contrariedade que provocam. Taxar a sociedade acima da capacidade de pagamento, para sustentar o Estado, abaixo de sua capacidade de oferecer satisfação aos cidadãos, é o maior contrassenso de nossa época.

As instituições e os pressupostos que sustentaram a globalização por décadas estão cedendo sob o peso da fadiga de transformação e das cotoveladas geopolíticas entre atores poderosos que circulam dentro e em torno do Estado. Tudo o que vemos em vias de ser desmanchado ocorre por conta tanto dos sucessos quanto das decepções da globalização que experimentamos nas últimas várias décadas. As contradições parecem ser mesmo o motor da história.

Para o bem e para o mal, nem sempre ganhar uma eleição é saber exatamente o que fazer enquanto governa. Os líderes agora se veem diante de um self-service de crises: uma inflação que não vai embora num mundo em que as economias se contaminam umas às outras, políticas industriais envolvidas sob o manto nacionalista e que se cancelam quando praticadas por todos, e populismos chacoalhando as estruturas dos parlamentos de Nova Délhi a Washington. Com frequência, conquistar uma eleição pode ser comparado a receber um restaurante de renome apenas para perceber que o fogão está em chamas, a geladeira está vazia e parte dos funcionários e fregueses resolveram ir para a oposição.

Governos ao redor do mundo estão apostando na lógica “do protecionismo industrial” como estratégias para garantir uma almejada “soberania econômica” — um termo que soa nobre até o momento em que se percebe que, principalmente entre os países desenvolvidos, ele vem junto com o risco de por gasolina no fogo da inflação, bem como da constatação de que a autossuficiência plena até pode ser atingida, mas que tal vida em autarquia, separada do restante do mundo, sempre será mais limitada do que aquela viabilizada por boas parcerias internacionais.

O protecionismo industrial e a política tarifária, tão em voga nos Estados Unidos não se aplica aos países já desenvolvidos. Nos países pobres o protecionismo dos países pode ajudar a reduzir a desigualdade abissal entre as nações; já aquele dos países ricos só contribui para criar vizinhos pobres.

Enquanto isso, a globalização não morreu. Países fragmentam suas cadeias de suprimentos em “parceiros estratégicos” e “setores sensíveis”, como se estivessem organizando compras de supermercado por orientação ideológica e geopolítica. A ascensão das chamadas “economias conectoras” (vêm aqui à mente México, Vietnã, Índia, Turquia — e, se formos hábeis, cada vez mais o Brasil) ilustra essa nova complexidade: eles são os descolados que todo mundo quer na sua festa particular, mas em quem ninguém confia plenamente. No front demográfico, estamos envelhecendo de maneira desigual e instável.

Nos países do Norte Global, os sistemas de pensão já não aguentam a pressão de eleitorados cada vez mais grisalhos, enquanto nas regiões mais jovens cresce a frustração com a falta de empregos ou com a precariedade do trabalho existente. O paradoxo? Fica cada vez mais evidente que muitos países precisam de imigrantes para sustentar suas economias e ajudar no cuidado da própria população envelhecida, mas são justamente eles que erguem os maiores muros para impedir sua entrada.

E quanto ao clima? A contradição é igualmente nítida. A tecnologia verde é o objetivo do momento. Alguns países investem bilhões em renováveis enquanto simultaneamente aprovam novos projetos de extração de petróleo. A contradição aqui não é hipocrisia — é sobrevivência política. No caso do Brasil, que ainda precisa tirar milhões da pobreza, trata-se de pragmatismo. Os eleitores querem ar mais limpo, mas também energia mais barata. E assim, os governos dançam entre metas de sustentabilidade e competitividade econômica.

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E então chegamos à soberania digital. Países mais hábeis agora tratam dados como commodities preciosas — estratégias não armazenáveis em servidores que não contribuirão para ganhos socioeconômicos simétricos naqueles mesmos países. Com o boom da IA e os semicondutores tendo valor de face quase que como de moedas de grande monta, os riscos aumentam e chegam a novas áreas. A internet, antes utopia sem fronteiras, agora é cada vez mais um arquipélago de ilhas muradas e guardadas por portões biométricos.

Em suma, o mundo de 2025 se parece com um tabuleiro de jogo no qual as regras mudam, os dados são viciados e o banqueiro talvez vá quebrar. Tornar o imposto uma doença não cura ninguém.

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