Regina Teixeira da Costa
Regina Teixeira Da Costa

O que o vento não leva

As palavras são como o vento, são o motor da humanização dos corpos com que viemos ao mundo

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Dizem que as palavras, o vento leva. Nem sempre. As palavras são como o vento nas velas das embarcações. São o motor dos veleiros. Das jangadas no mar causando nostalgia poética e inspiradora de telas e literaturas. Voltando à terra...


As palavras são como o vento, são o motor da humanização dos corpos com que viemos ao mundo. Sem as palavras da mãe, ou de uma substituta, que fale conosco, o corpo não se humaniza. Digo, não é marcado pelas experiências afetivas produzidas pela voz humana, que incorporam, encarnam de linguagem, nessas primeiras palavras dirigidas ao bebê, de lalíngua.


Lalíngua é a língua afetiva das mães com os bebês, ela pavimenta e funda nossa entrada na cultura, consequentemente, se somos humanos, somos dotados de um inconsciente. Portanto, podemos entender o quanto nascemos miseráveis. Temos o corpo e a vida, porém, somos absolutamente dependentes de alguém que nos sopre seus sons. É mesmo “A língua”, pois esse banho de palavras envelopadas pelo desejo e afeto nos permitem estar aptos para as leis da gramática de nossa língua.


O vento move moinhos. Sua força útil produz a energia limpa. Ele pode levar as palavras vazias, mas aquelas prenhes de afeto ficarão registradas na carne, é o principal legado do Outro, com maiúscula pelo seu papel fundador. São essas palavras que o vento não leva, ao contrário, ficam marcadas.

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Elas têm poder, nos salvam, nos curam de nossos males, mas também ferem e mortificam. Somos feridos pelas palavras. Como ferramenta e pode vir contra nós.


Porque somos seres de linguagem e falantes. Somos falasseres. E elas não teriam tanto alcance se assim não fosse. Formados na linguagem que nos precede e condiciona, ela nos constitui e através delas fazemos laços com os outros.


Recebemos do outro, que nos registra em cartório, nosso nome. Esse nos nomina para sempre com um nome próprio, isso não é pouca coisa. É como um carimbo na pele, uma etiqueta da existência tatuada na alma. E como as palavras nos dão nomes ao qual nos identificamos, ela tem poder sobre nós. Nomeia, cura e mortifica. Transmite sentimentos, subjetividade quando nem sabemos o que falamos!


Lacan disse: “Que se diga fica esquecido por trás do que se diz no que se ouve”. Por isso o analista deve escutar o que está oculto da consciência, mas vem nas entrelinhas e nos equívocos das palavras indicando a presença de um inconsciente vivo que sabe mais do que aquilo que pensamos.

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A efetividade simbólica da palavra faz marcas que cavam sulcos profundos. Há palavras mal-ditas e malditas. Uma injúria nos atinge de forma absurdamente impactante. Quando nos atingem palavras depreciativas, ou ofensivas, somos marcados, é como se recebêssemos um golpe doloroso. Elas podem ser tomadas como mandamentos que têm efeitos nocivos.


Ao recebermos notícias tristes de perdas e prejuízos ou palavras de ódio e preconceito, nosso corpo reage. O corpo fala por nós quando não nos expressamos. A angustia é uma opressão, causa dor no peito, como a angina, e nos faz correr para prontos atendimentos. A ansiedade causa arritmias, falta de ar. A constipação é um “enfezamento” contido. Quando nos falam que o sintoma desses a psíquico, alguns podem ficar aliviados, não sei se é o caso, pois a dor psíquica negada ou empurrada para debaixo do tapete só provoca um retorno ainda mais forte.


É lamentável que as pessoas ao falarem não percebam a força do que dizem e banalizem seus efeitos no outro, como se fossem nada. Algo ofensivo, ao pé da letra, expressa o mal que podem nos desejar nossos próximos. Não foi em vão o mandamento: amai-vos uns aos outros. Foi dito para que nos contenhamos do mal que possamos causar, mesmo nunca admitido, está lá, nas entrelinhas.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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