Dizem que as palavras, o vento leva. Nem sempre. As palavras são como o vento nas velas das embarcações. São o motor dos veleiros. Das jangadas no mar causando nostalgia poética e inspiradora de telas e literaturas. Voltando à terra...


As palavras são como o vento, são o motor da humanização dos corpos com que viemos ao mundo. Sem as palavras da mãe, ou de uma substituta, que fale conosco, o corpo não se humaniza. Digo, não é marcado pelas experiências afetivas produzidas pela voz humana, que incorporam, encarnam de linguagem, nessas primeiras palavras dirigidas ao bebê, de lalíngua.


Lalíngua é a língua afetiva das mães com os bebês, ela pavimenta e funda nossa entrada na cultura, consequentemente, se somos humanos, somos dotados de um inconsciente. Portanto, podemos entender o quanto nascemos miseráveis. Temos o corpo e a vida, porém, somos absolutamente dependentes de alguém que nos sopre seus sons. É mesmo “A língua”, pois esse banho de palavras envelopadas pelo desejo e afeto nos permitem estar aptos para as leis da gramática de nossa língua.


O vento move moinhos. Sua força útil produz a energia limpa. Ele pode levar as palavras vazias, mas aquelas prenhes de afeto ficarão registradas na carne, é o principal legado do Outro, com maiúscula pelo seu papel fundador. São essas palavras que o vento não leva, ao contrário, ficam marcadas.

Minas sedia primeiro festival de cinema em território quilombola


Elas têm poder, nos salvam, nos curam de nossos males, mas também ferem e mortificam. Somos feridos pelas palavras. Como ferramenta e pode vir contra nós.


Porque somos seres de linguagem e falantes. Somos falasseres. E elas não teriam tanto alcance se assim não fosse. Formados na linguagem que nos precede e condiciona, ela nos constitui e através delas fazemos laços com os outros.


Recebemos do outro, que nos registra em cartório, nosso nome. Esse nos nomina para sempre com um nome próprio, isso não é pouca coisa. É como um carimbo na pele, uma etiqueta da existência tatuada na alma. E como as palavras nos dão nomes ao qual nos identificamos, ela tem poder sobre nós. Nomeia, cura e mortifica. Transmite sentimentos, subjetividade quando nem sabemos o que falamos!


Lacan disse: “Que se diga fica esquecido por trás do que se diz no que se ouve”. Por isso o analista deve escutar o que está oculto da consciência, mas vem nas entrelinhas e nos equívocos das palavras indicando a presença de um inconsciente vivo que sabe mais do que aquilo que pensamos.

De olho no futuro, autores discutem o passado no Fliaraxá


A efetividade simbólica da palavra faz marcas que cavam sulcos profundos. Há palavras mal-ditas e malditas. Uma injúria nos atinge de forma absurdamente impactante. Quando nos atingem palavras depreciativas, ou ofensivas, somos marcados, é como se recebêssemos um golpe doloroso. Elas podem ser tomadas como mandamentos que têm efeitos nocivos.


Ao recebermos notícias tristes de perdas e prejuízos ou palavras de ódio e preconceito, nosso corpo reage. O corpo fala por nós quando não nos expressamos. A angustia é uma opressão, causa dor no peito, como a angina, e nos faz correr para prontos atendimentos. A ansiedade causa arritmias, falta de ar. A constipação é um “enfezamento” contido. Quando nos falam que o sintoma desses a psíquico, alguns podem ficar aliviados, não sei se é o caso, pois a dor psíquica negada ou empurrada para debaixo do tapete só provoca um retorno ainda mais forte.


É lamentável que as pessoas ao falarem não percebam a força do que dizem e banalizem seus efeitos no outro, como se fossem nada. Algo ofensivo, ao pé da letra, expressa o mal que podem nos desejar nossos próximos. Não foi em vão o mandamento: amai-vos uns aos outros. Foi dito para que nos contenhamos do mal que possamos causar, mesmo nunca admitido, está lá, nas entrelinhas.

compartilhe