Chegar numa ilha exótica, provar uma flor de lótus, ser tomado por uma sensação de bem-estar absoluto e esquecer de voltar para casa seria um sonho para muita gente.

 


Este momento está na “Odisseia” de Homero quando Ulisses (Odisseo em grego) é obrigado a levar seus marujos amarrados de volta ao barco depois de provar as flores.


Os comedores de lótus, segundo Homero, não “vivem de pão como todos”: fazer pão dá trabalho, é preciso plantar, colher, amassar, sovar, fermentar e assar. Nada a ver com o acesso imediato ao prazer e ao calmante natural e efeito alucinógeno do lótus.

 

Após Homero, odisseias sempre se referem a voltar para casa vivendo etapas e situações transformadoras. Como em “2001: Uma Odisséia no Espaço” e no “Ulysses” de James Joyce.

 

 

 



Em “Ulysses”, Leopold Bloom vive sua Odisséia em um único dia, 16 de junho de 1922. O livro contrapõe dois personagens, um jovem à procura de uma figura paterna e um homem que havia perdido um filho. A narrativa acompanha Stephen Dedalus e Bloom de forma independente ao longo do dia até seu encontro final.


Bloom é um Ulysses modernista, sabia que seria traído pela mulher naquele dia, é um deslocado, de origem judaica mas batizado, não é aceito como irlandês, nem com judeu, nem como cristão, mas percorre as 700 páginas do livro lidando da melhor maneira possível com as provações e agressões que todos nós recebemos no nosso dia a dia.


Apenas sabemos que o Ulysses de Joyce recria a Odisséia porque ele enviou um esquema a um amigo para a leitura do livro. A pista, contudo, está no nome, não há nenhum personagem chamado Ulysses.


A visita aos comedores de lótus – “lotus eaters” – está no quinto capítulo, em que Joyce faz referências a formas de escapismo, sublimação e à tentativa de transformar o dia a dia em algo mais palatável.

 

 

 


Há menção aos chás orientais, a fragrâncias, perfumes e o suposto estilo de vida hedonista e indolente do extremo oriente exótico. São mencionados nicotina e o álcool através de um pré-adolescente fumando para se aliviar da pressão de levar o pai alcoólatra do pub pra casa.


Há o escapismo do amor virtual quando Bloom troca cartas com uma amante que ele nunca viu usando um pseudônimo, o da religião na visita a uma missa onde a eucaristia faz uma analogia do vinho com a cerveja Guinness, símbolo da Irlanda.


No dicionário de Cambridge, “lotus eater” significa “alguém que tem uma vida muito confortável, preguiçosa e não se preocupa com nada”.

 

 

 


Precisamos todos elevar a experiência da vida. Vinho, drogas, espiritualidade, religião, farmacologia, gastronomia, decoração, cosméticos, perfumaria, sexo são como varinhas de condão. A magia no dia a dia não é dada, é criada.


Saber a diferença entre sutilizar a experiência e fugir da realidade não é fácil. Até mesmo porque o conceito do que é real é discutível.


Drogas e remédios têm origem em plantas, ervas, raízes e flores. A dosagem define se cura, vicia ou mata. Cogumelos mágicos, derivados da papoula – ópio, heroína e morfina, maconha, ayahuasca, peyote, Coca, Lírio, Artemísia e Iboga são exemplos.


Vermutes e os licores originados em mosteiros misturam igualmente ervas, flores, especiarias e a coquetelaria os usa para criar os seus clássicos. São os mesmos ingredientes também na saboaria e na gastronomia.

 

 

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Todo mundo conhece os prazeres de um banho com os aromas de sabonetes, shampoos, cremes e perfumes, de beijar e namorar, de arrumar uma mesa bonita, cuidar da iluminação, abrir um vinho e jantar. O dia a dia a seco não desce. Somos todos comedores de lótus.

 

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