Tenho receio que os brasileiros de um modo geral ainda não se deram conta de que as tarifas do presidente americano não são algo cujos efeitos vão se dissipar com o tempo. Elas são uma mudança permanente no comércio e na economia do mundo, que deve sobreviver ao poder imperial de Donald Trump.

O nível médio das tarifas americanas a esta altura do processo está estimado em 18%, nove vezes mais alto do que a média de 2% que vigorava antes. No entanto, para além do nível inédito das tarifas, uma mudança muito mais importante está ocorrendo no sistema de comércio, que tem tudo para se tornar irreversível.

O princípio fundamental do comércio internacional baseado em regras é o que determina que tarifas são impostas sobre bens e não sobre os países de origem. Se o Brasil, por exemplo, taxar a importação de automóveis americanos em 10%, estará obrigado a estender a mesma tarifa sobre a importação de automóveis de todas as origens, sem discriminar nenhum país.

Há mais de um século, o comércio internacional vem sendo regido por esta regra. Ao tratar cada país, e não cada mercadoria, de um modo separado, Trump fez ruir a única regra que organizava o comércio entre os países, e, uma vez em ruinas, o comércio internacional nunca mais será o mesmo. Portanto, aqueles brasileiros que, por alguma perversão cognitiva, estão torcendo a favor das tarifas, à espera de benefícios imediatos, é preciso que sejam advertidos que os seus efeitos podem durar muito tempo, se não para sempre, e as vítimas seremos todos.

Além do desmoronamento do sistema de comércio, é preciso ter em conta que tarifas, uma vez erguidas, são muito difíceis de serem revogadas. A economia americana vai se acostumar com a nova realidade tarifária e um novo sistema de interesses vai se constituir à sua sombra, pronto para compor no futuro uma barreira de resistência à sua anulação. A ideia, tal como exposta sem meias palavras por Jamieson Greer, a mais alta autoridade de comércio americana, em artigo, é eliminar sistematicamente todas as barreiras às exportações americanas no exterior e, ao mesmo tempo, assegurar proteção tarifária à toda produção dos Estados Unidos.

A história das tarifas sobre as exportações brasileiras está apenas começando. Em algum momento, haverá alguma negociação sobre o tema exclusivo do comércio. Que negociação será essa? A melhor pista que temos são os acordos que estão sendo fechados e seus termos têm sido sistematicamente assimétricos, quase leoninos. Três exemplos recentes são a Indonésia, a Tailândia e o Vietnã. Os dois primeiros foram ameaçados com tarifas de 32 e 36%, enquanto o Vietnã com 46%.

Concluídos apressadamente os acordos, as tarifas sobre as exportações desses países foram reduzidas para 19%. Em troca foram obrigados a retirar todas as tarifas e todas as barreiras não tarifárias para as exportações dos Estados Unidos, abrindo completamente seus mercados e expondo à destruição a sua indústria.

O Brasil, quando negociar, vai partir de uma tarifa maior, de 50%. Se for mantido o padrão dos acordos e ainda conforme as palavras do ministro americano, para que nossas tarifas se reduzam para 25 ou 20%, ainda muito altas, não há dúvida de que nos será exigida a abertura total de nosso mercado para as exportações americanas. Se concordarmos, exporemos nossa indústria, e até setores do agronegócio, a uma competição desigual.

Na hipótese de zerarmos as tarifas para os Estados Unidos, o que faremos com nossos parceiros comerciais, a China e a União Europeia, por exemplo, que não nos agridem com suas tarifas? Se lhes dermos o mesmo tratamento, será o fim da indústria brasileira. Se não dermos, eles certamente vão retaliar nossas exportações e ficaremos irremediavelmente isolados. Por isso, em termos puramente comerciais, talvez um acordo com Trump não seja possível para nós.

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Os cenários que estão à nossa frente apontam para várias hipóteses de desastre. Será isso suficiente para contentar todos os maus brasileiros a quem a política cegou? Ou ainda teremos, além disso, de vender nossa soberania?

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