O sistema político brasileiro está em uma agitação desordenada. A ausência de lideranças políticas respeitáveis e minimamente capazes está imobilizando o governo e tornando o Parlamento uma casa sem dono, onde tudo pode acontecer.
Infelizmente, os problemas do país continuam mais reais do que nunca e, embora as eleições estejam a apenas um ano de distância, nenhum traço de luz escapa da pobreza do debate político.
Para os próximos anos, além dos velhos problemas do crescimento econômico, do equilíbrio fiscal e da desigualdade, vamos enfrentar desafios existenciais novos, provocados pelas mudanças bruscas da ordem internacional.
Alguns candidatos insinuam-se aos poucos, dentre eles nosso demorado presidente Lula, mas não percebi até agora uma única palavra de qualquer deles que sugerisse alguma preocupação com essas agendas.
O Brasil sempre foi um país um pouco isolado do mundo, distante dos grandes conflitos e aspirando a alguma forma de autossuficiência, confiado no papel de garantidor da ordem internacional que os Estados Unidos desempenharam até há pouco.
Com o declínio desta ordem e com a mudança do papel da América no mundo, o Brasil não tem como evitar um realinhamento global e um aumento do seu protagonismo externo, como um imperativo da nova ordem que vai se formar de algum modo.
Nenhum aspirante à Presidência da República pode deixar de responder à questão do papel e do lugar do Brasil na nova ordem mundial, pois disso dependerá muito o nosso destino.
O governo Trump, sem nenhuma razão econômica ou comercial, abriu unilateralmente um conflito com o Brasil, impondo ao país as mais altas tarifas alfandegárias dentre todas as que distribuiu pelo mundo, com o propósito explícito de influir em nossa política interna, em um ato sem precedente nos 200 anos de nossas relações.
Como mostrou em artigo na Foreign Affairs , o cientista político brasileiro Hussein Kalout, nos últimos 15 anos, os Estados Unidos desfrutaram de um saldo positivo de 415 bilhões de dólares nas transações com o Brasil, computados os resultados do comércio de mercadorias e o comercio financeiro e de serviços.
Ao contrário do que propôs a todos os demais países, o governo americano não busca em nosso caso a extração de novas vantagens financeiras ou comerciais. A contrapartida para qualquer negociação é nada menos do que a nossa soberania ou, talvez, até a mudança do regime. Não estou externando uma opinião, estou descrevendo um fato.
Uma vez expulsos da aliança com os Estados Unidos, com tudo o que isso representa, o Brasil não pode e não deve cair na tentação do alinhamento com o outro polo hegemônico do mundo, a China. Nossas relações com a China hoje são estruturais e delas dependem vários setores da economia brasileira.
Nossos laços, não apenas econômicos, devem se ampliar e se diversificar, pois isto corresponde ao interesse nacional de ambos os países, sem dizer que, em virtude da distância geográfica, a China não é uma ameaça à nossa segurança, o que ainda não podemos dizer em relação ao atual governo americano.
A diplomacia brasileira não deve investir em um divórcio irreparável com a América, mas comportar-se com paciência e frieza, na expectativa de que em algum futuro os americanos podem recobrar a racionalidade. Nem podemos apostar em um alinhamento mais estreito com a China, aceitando pelo valor de face a declaração de seu líder que “a China está do lado da civilização e do progresso humanos”. Ao vê-lo neste ato, ao lado de Vladimir Putin e de Kim Jong-un, precisamos nos perguntar a que civilização e a que progresso ele estava se referindo.
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Temos tamanho e importância geopolítica para participar de uma tentativa de criar uma ordem multipolar, juntando a América do Sul, União Europeia, Índia, Canadá, Mexico e tantos países quantos queiram existir fora da órbita das potências que lutam pela hegemonia militar, econômica e tecnológica e pela colonização do mundo.
Para isso, o Brasil vai precisar de uma liderança que tenha a altitude dos novos tempos e que não tenha dívidas com o passado.