
O presidente e o nível do Congresso
A maior parte dos especialistas está de acordo em que somente as despesas de capital aumentam a produtividade da economia e produzem crescimento que se sustenta
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A um ano das eleições é natural que o ambiente da política fique mais conflituoso e que as palavras no discurso político se tornem armas para ferir, ocultar ou iludir. Há 80 anos George Orwell já dizia que a linguagem política era projetada para fazer que as mentiras soem verdadeiras. Os políticos não são os únicos culpados por isto. Hoje as variadas fontes de entretenimento que competem pela atenção das pessoas deixam um espaço muito pequeno para as questões da política, o que obriga o discurso político a ser superficial e teatral.
Por mais que essa realidade pareça insuperável, não podemos deixar de tratar a política como coisa séria. Afinal, é pela política que se alcança o Poder, e o Poder afeta de modo decisivo o destino das pessoas e das comunidades. A filósofa e pensadora política Hannah Arendt dizia que o mal prospera com a apatia e não consegue sobreviver sem ela. É preciso trazer a discussão política para o primeiro plano das preocupações e, para esse fim, precisamos ir mais fundo na crítica dos discursos políticos.
Nesses últimos dias tivemos uma amostra do que a política brasileira nos prepara. O governo do presidente Lula é uma administração que crê ideologicamente que a expansão das despesas públicas é um motor do crescimento. A maior parte dos especialistas está de acordo em que somente as despesas de capital aumentam a produtividade da economia e produzem crescimento que se sustenta o tempo. Embora as despesas estejam crescendo sistematicamente acima do crescimento normal das receitas, os investimentos estão próximos de zero. Os déficits resultantes são cobertos com dívida pública. Ao final do mandato, em 2026, a relação Dívida/PIB terá se elevado em 12 pontos percentuais, de 72% em 2022 para 84%.
Pressionado pelas metas fiscais que, se não cumpridas, podem levar à desaprovação das contas do governo, e resistente em cortar despesas, que podem esfriar o ânimo dos seus eleitores, o governo submeteu ao Congresso uma Medida Provisória, com variados aumentos de impostos. O Congresso que, até aqui, havia aprovado todos os aumentos de despesas e de receitas propostos pelo Executivo, decidiu negar este novo aumento. Nada de existencial estava em jogo, mas o governo teve duas reações que precisam ser avaliadas mais a fundo.
O partido do presidente lançou uma peça de publicidade acusando o Congresso de defender os ricos e penalizar os pobres. A ministra da Articulação Política declarou que o Congresso votou contra os interesses do país. Afinal, o Congresso tem a obrigação de aprovar todas as propostas do governo, ou os parlamentares têm liberdade de contestar algumas, em razão do seu próprio julgamento?
Raciocinando friamente, pode-se argumentar que o aumento dos impostos é que poderia ser considerado contrário aos interesses do país. Se o Congresso for mera instância homologatória certamente não estamos em uma democracia. Defender os pobres pode ser uma política fiscal que não produza déficits contínuos e eleve a dívida pública a um patamar que cause o fim do crédito público e o próprio colapso do Estado.
Para concluir o enredo, o presidente Lula, em um palanque, reclamou que “esse Congresso nunca teve a qualidade de baixo nível como tem agora.” Esse Congresso está aí há três anos e nunca havia merecido tão pobre avaliação do presidente. O que nos permite imaginar que a nova avaliação se deve à sua recusa em aumentar impostos que permitiriam mais despesas e mais aprovação eleitoral. O presidente fica nos devendo uma explicação mais precisa sobre seus critérios de avaliação.
Esse Congresso que está aí, com seus defeitos e suas eventuais virtudes, é fruto da organização do nosso sistema político, ou seja, da fragmentação partidária e do sistema proporcional de eleição dos deputados. Na próxima legislatura o Congresso será praticamente o mesmo, e assim para sempre, se o sistema não mudar. Nunca soube que o governo Lula tenha proposto qualquer mudança neste sentido, o que parece indicar que até agora esteve satisfeito com a representação existente. Que se lute pelo poder, mas com um pouco mais de verdade.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.