Nesta semana tomei conhecimento de uma pesquisa intitulada Pulso Brasil, realizada pelo Ipespe. Duas coisas ali chamaram minha atenção. A primeira foi o alto grau de alinhamento ideológico dos entrevistados. Quase dois terços se reconheceram como de direita (33%) ou de esquerda (28%). Apenas 18% se identificaram como de centro, enquanto 21% preferiram não responder. A política brasileira nunca girou sobre um eixo tão nitidamente ideológico.

Fernando Henrique por duas vezes venceu Lula, mas nunca foi identificado como de direita, muito pelo contrário. Foi demitido pelo governo militar e precisou viver exilado por longo tempo. Foi sempre um intelectual de esquerda, reconhecido como tal aqui e no exterior. Nas quatro eleições seguintes, vencidas pelo PT, os adversários foram José Serra, perseguido e exilado pela ditadura, enquanto Lula vivia tranquilamente no Brasil, Geraldo Alkmin, hoje vice- presidente de Lula, e Aécio Neves, político claramente de centro.

A emergência de uma direita claramente identificada surge com a eleição de Bolsonaro, que nunca havia exercido qualquer liderança de conteúdo ideológico, não tinha seguidores organizados e surgiu nas eleições com o figurino de um autêntico outsider. A emergência da direita como força política expressiva parece assim ter sido fruto desses acasos que alcançam permanência.

A direita neste momento articula-se em torno de Bolsonaro, embora o ex-presidente em nenhum momento assume o discurso e o comportamento de um líder ideológico coerente e persuasivo. Seu horizonte é puramente eleitoral e sua força advém do fato de ter vencido o PT uma vez e se mostrado bastante competitivo mesmo quando perdeu para Lula por estreita margem.

A esquerda tradicional está em declínio em todo o mundo, por falta de ideias novas em um mundo em radical transformação, por força das tecnologias, e por causa dos limites fiscais que inibem a expansão do chamado Estado de bem-estar social. Com cargas tributárias muito altas e com endividamento elevado, os partidos da esquerda democrática, principalmente na Europa, mas também na América Latina, têm pouco para entregar a não ser discursos e declamações, em meio a economias cada vez menos inclusivas.

Na verdade, o conflito esquerda-direita está perdendo força em toda parte. Como temos a tradição de importarmos agendas políticas tardiamente, estamos nós agora às voltas com essas disputas fora de moda. Mesmo em nossa versão meio tropicalizada, as ideologias complicam extraordinariamente as coisas. A começar pela percepção dos fatos. Na mesma pesquisa, quando perguntados sobre o rumo de nossa economia, 88% da esquerda respondeu que está certo, enquanto 88% da direita respondeu que está errado. O pessoal do centro aproximou-se da direita – 73% responderam que o rumo está errado.

O que importa desses dados é que a ideologia determina a percepção. Os mesmos fatos são vistos com olhos diferentes. Assim não há consenso possível e a política não pode resolver problemas. No entanto os problemas reais existem e precisam ser reconhecidos e enfrentados. Apesar disto, a maioria dos possíveis candidatos tem agendas que passam a largo do que é importante. Basta apenas um exemplo, a situação fiscal.

Em 2022 a dívida pública como proporção do PIB era de 72%. Em 2026, com tudo que já está contratado, será de 83%, um aumento de 11 pontos percentuais em um mandato de 4 anos. O Instituto Fiscal Independente, do Senado Federal, estima que para estabilizar o crescimento da dívida seria preciso daqui para a frente um superavit primário de 2,1% do PIB, algo como 280 bilhões de reais por ano, quando para 2026 o governo está prometendo um saldo positivo de apenas 34 bilhões de reais, que o IFI acha que será na verdade um déficit de 40 bilhões de reais.

Esta trajetória nos levará rapidamente para um colapso fiscal, colocando em risco o funcionamento do Estado e estremecendo todo o nosso sistema financeiro. Qual ideologia vai reconhecer o problema e enfrentá-lo com sinceridade? Ideologias não resolvem problemas.

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