
O Congresso contra a sociedade
"Anistia é para os que foram aprisionados, condenados, abusados, sem o devido processo legal, como nas ditaduras"
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O Congresso, a Câmara dos Deputados principalmente, está apartado da sociedade brasileira. A extrema-direita é uma minoria na sociedade e está super-representada e, de braços dados com o centrão invertebrado, tem conseguido escabrosas aprovações. Na pesquisa Quaest, 12% se dizem “bolsonaristas” e 20% “de direita”. Os extremistas não chegam a 15%.
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O Brasil não concorda com a proteção de parlamentares criminosos que a Câmara aprovou. O Senado sentiu a pressão das ruas e seu presidente, Davi Alcolumbre, enviou a PEC à Comissão de Constituição e Justiça que o enterrou. Mas ainda querem anistiar os golpistas, leia-se Bolsonaro, o país não quer, na pesquisa Datafolha, 61% são contra o governo anistiá-lo e 54% contra uma anistia pelo Congresso.
Este Congresso não representa a sociedade. O centrão, que não tem espinha dorsal, segue a reboque dessa minoria, rejeitada pela sociedade na eleição presidencial de 2022. Nele estão muitos dos que desejavam ardentemente a blindagem. Temem a Justiça. Quem aposta nesse caminho arrisca ser também barrado nas urnas. Mesmo com o dinheiro de emendas e dos fundos, há limite da tolerância dos eleitores para com os desmandos dos eleitos.
Os deputados ultrapassaram esses limites ao aprovar duas medidas tão amplamente rejeitadas pela maioria dos brasileiros. Ao aprovar a PEC da bandidagem – para proteger corruptos, assediadores, os que agridem as mulheres, perseguem cidadãos nas ruas de pistola em punho, caluniam e difamam – os deputados amparam a extrema-direita que chegou ao poder mentindo e se dizendo contra a corrupção.
O eleitor não se acumplicia com esses abusos. Os democratas foram para as ruas e denunciaram o divórcio entre o Legislativo e a sociedade. Não adianta os extremistas negarem. As mudanças de rumo depois das manifestações mostram que a maioria real continua sensível ao que diz o povo. Pelo menos parece estar mais atenta ao que diz a maioria social.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, autor da manobra afrontosa que contrabandeou o voto secreto, derrubado em primeiro turno, para a PEC, teve que rejeitar o truque indecoroso do PL de eleger líder da minoria o deputado fugido, que conspira contra o país na corte de Washington. Ora, este deputado perdeu o direito ao mandato e está próximo a ser julgado por seus crimes. O projeto de anistia, que estava em linha reta para aprovação, passou a andar em círculos. Está no terreno do talvez. A sociedade já disse um definitivo não. Não faz sentido o Legislativo mudar a dosimetria do transitado em julgado.
Mas falta muito ainda para a Câmara se acertar com o país e o Senado mostrar que está atento à vontade popular. As palavras que ecoam nas ruas, nas plateias dos shows de massa, nos teatros e nos cinemas são “sem anistia”. A palavra que mais se ouve no Congresso para justificar anomalias como a anistia é “pacificar o Brasil”. Ora, o Brasil está em paz, dispensa pacificadores. Quem está em guerra com o Brasil é o Congresso. É ele que tem que pacificar sua relação com a maioria dos cidadãos e eleitores brasileiros. O caminho está dado pelas ruas. Nem anistia, nem dosimetria cordial.
O artigo 5º da Constituição democrática brasileira garante que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” No seu inciso LIV, já assegura as garantias necessárias aos que sejam ou se presumam inocentes em uma ordem democrática: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” Não há blindagem melhor do que a Constituição e o devido processo legal. Inocentes não temem a aplicação da lei. Só culpados, que sabem de suas culpas e precisam ser isentados do devido processo legal.
Toda anistia a penas transitadas em julgado, a partir de condenações com amplo direito de defesa e profusão de provas, é uma agressão à igualdade definida no artigo quinto e suas cláusulas. Ela sempre significará algum tipo de discriminação. Anistiar condenados após o devido processo legal é uma forma de discriminação. Significa privilegiar um criminoso sobre todos os outros para o pôr fora do alcance da lei. Nada justifica considerar um cidadão superior aos demais, portanto isento de responsabilidade penal por seus crimes. Eles já têm o privilégio de fôro.
Anistia é para os que foram aprisionados, condenados, abusados, sem o devido processo legal, como nas ditaduras. Anistiar alguém em abstrato, por crimes passados, presentes e futuros é uma aberração, que só pode sair de mentes em séria desavença com a sociedade, a democracia e a decência.
Se os parlamentares querem melhorar a Justiça, o caminho é outro. As cadeias estão cheias de brasileiros, a maioria negros, presos sem culpa formada, sem direito à defesa, sem trânsito em julgado. Procurem meios para corrigir essa anomalia, novos pesos e contrapesos para prisões com viés racial, o exame urgente desses casos para soltar quem foi preso ilegalmente. Ninguém pode ir para a prisão sem passar pelo crivo da promotoria e do juiz. Deixem as cadeias livres para os criminosos.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.