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Não dá para confiar na Câmara ou em Donald Trump. Seis dias após o discurso bélico para generais em silêncio sepulcral, o presidente dos EUA ligou para Lula e tiveram conversa cordial. Três dias depois, anunciou o acordo para terminar a guerra em Gaza. Que persona adotará em seguida? De homem cordial, ou dominador imperialista, distribuindo sanções, tarifas escorchantes e empurrões?
A Câmara aprovou a isenção do Imposto de Renda para rendas inferiores a R$ 5 mil, que prevê alíquota maior para os mais ricos e guardou a anistia, acuada pelas ruas. Depois, rompeu acordos e retirou de pauta a medida provisória que cobrava IOF de bets, fintechs e de fundos rentáveis e isentos. Bets são dos negócios mais lucrativos do país, esbanjam dinheiro em propaganda no horário nobre, enquanto os brasileiros de baixa renda consomem seu orçamento jogando contra probabilidades imbatíveis.
As fintechs, além de terem superlucros, são bancos digitais bilionários e usam o privilégio do incentivo tributário para concorrer com os bancos tradicionais. Foi com boa dose de hipocrisia que o líder do PL orientou o voto contra a MP, dizendo que livrava o povo de impostos. Apenas atendia aos lobbies e criava dificuldades para o governo, para supostamente prejudicá-lo nas eleições de 26.
A conversa entre Lula e Trump foi cordial e positiva. A ver, se o presidente americano orientou o seu secretário de Estado, Marco Rubio, filho de imigrantes cubanos, notório político da extrema direita — que será o interlocutor junto ao vice Geraldo Alckmin e aos ministros das Relações Exteriores e da Fazenda — a manter a cordialidade. No momento, a virada de Trump foi um golpe duro para o filho trânsfuga agindo contra o país nos EUA e para o clã Bolsonaro.
A aprovação da reforma do Imposto de Renda e o arquivamento sine die da anistia foram bons para o governo. A retirada de pauta da MP foi um revés, mas fica a dúvida se, ao final, prejudicará Lula ou a própria facção contrária a ele. A ação nos bastidores do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, político neófito, e de Gilberto Kassab, manda-chuva do PSD, político experimentado, acabou exposta ao público. O governador tem dado sucessivas demonstrações de alinhamento com a extrema direita e com os interesses de Bolsonaro, inelegível e condenado.
Kassab empurrar o PSD para a direita pode ser um erro de cálculo que custará caro. O PSD tinha o centro aberto para uma carreira que poderia levá-lo ao topo, ocupando o espaço deixado vazio pelo ocaso do PSDB. Na direita, seu percurso será bem mais curto. As pesquisas mostram o recuo no apoio a Tarcísio e às pautas que abraçou, enquanto sobe a popularidade de Lula.
A iniciativa de Trump foi uma pequena abertura ao relacionamento com o governo brasileiro, após o quase rompimento com a escalada das sanções. Será que mudou sua percepção e voltará atrás nas medidas punitivas adotadas contra o país e autoridades do Executivo e do Judiciário? O histórico da trajetória errática do homem na Casa Branca nada garante. Ele já humilhou o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky no salão oval, posteriormente o tratou com deferência.
Recebeu o autocrata russo Putin de forma amistosa, para depois ameaçá-lo com sanções caso não aceite a paz com o país que invadiu. Já ameaçou a Ucrânia com a perda do território ocupado pela Rússia. Propôs transformar Gaza em um resort para milionários, agora é o patrono do acordo de paz e reconstrução do território a ser entregue à governança palestina com supervisão de técnicos internacionais, já aceito pelo Hamas e por Israel.
A Câmara só atende à pressão das ruas quando esta é capaz de contagiar suas bases eleitorais. Municiada pelas somas bilionárias das emendas e dos fundos partidário e eleitoral, representa só lobbies e grupos de interesse. Como na retirada de pauta da MP que taxava bets e fintechs. A Câmara está descolada da sociedade, do povo, vota contra taxar os mais ricos, por exemplo, medida apoiada por 62% da população, de acordo com a pesquisa Quaest mais recente. Tornou-se uma instituição disfuncional que só é funcional ocasionalmente, por espasmos, quando empurrada pelas ruas indignadas.
Trump, o demolidor, criador do Departamento de Guerra, em lugar do Departamento de Defesa, agora virou Trump, o pacificador. Mas pode acordar o imperialista às antigas, brandindo suas armas econômicas e bélicas, para ser o exterminador de futuros.
A Câmara age como se o futuro não importasse e o vai sabotando com suas escolhas temerárias.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.