Avaliar bares nunca foi tão simples e nunca foi tão raso. Se antes uma opinião tinha o peso de um crítico com assinatura no jornal, hoje basta o impulso do polegar. Um clique no Google e pronto: sentença emitida, reputação julgada. O problema é que a balança parece ter apenas dois pratos — cinco estrelas de euforia ou uma estrela de raiva. O meio-termo, a análise pensada, evaporou.

Outro dia, li uma resenha que dizia algo como “péssimo atendimento, pedi um chorinho no meu drink e o barman não fez”. Ora, pedir um “chorinho” num coquetel é como pedir mais uma lagosta no prato, ou mais arroz em um risoto depois que o prato já saiu da cozinha. Coquetel não é um caldeirão de ingredientes. Cada medida tem função, equilíbrio e consequência. Mas pouco importa: no tribunal da internet, a lógica não é discutida. O cliente escreve, o Google publica, a estrela despenca.

E essa estrela não é inocente. No sistema de métricas da plataforma, uma única nota baixa pode jogar o índice geral para o chão, apagando o peso de dezenas de experiências positivas. É como se o algoritmo dissesse: “um desaforo vale mais que 20 elogios”. A matemática não é justa; é cruel. E o trabalho de meses, treinar equipe, calibrar receitas, manter padrão vira pó por causa de uma vingancinha travestida de avaliação.

No Instagram, a coisa é ainda mais grotesca. A ironia do hater rende mais curtidas do que o elogio de quem realmente bebeu bem. A resenha mal-humorada viraliza, enquanto o comentário positivo passa despercebido. É o império do ressentimento. A crítica rasa, sem técnica nem critério, ganha palco porque é engraçada de compartilhar. É a lógica do espetáculo: quanto mais destrutivo, mais alcance. O problema é que no fim não sobra nada além de ruído.

E há o cúmulo da desinformação: bares recebendo críticas de pratos que nunca serviram. O Palito, por exemplo, que não tem cozinha, já apareceu com comentários sobre comida confundidos com outros negócios da mesma galeria. Isso não é apenas injusto, é absurdo. Mas a plataforma não filtra, não corrige, não se importa. Para o Google, não existe verdade, só existe engajamento.

O mais triste é ver como essa dinâmica apequena a própria coquetelaria. Porque um drink é estudo, técnica, tentativa e erro. É equilíbrio em milímetros. A cada dose existe história, treino, repetição. Atrás do balcão não tem improviso cômico de internet, tem trabalho. E reduzir tudo isso a uma frase mal escrita seguida de uma estrela é não apenas injusto: é pequeno.

A crítica fácil se tornou um esporte. O consumidor não precisa provar que entende de proporção, de técnica ou sequer do que pediu. Basta estar insatisfeito, ou entediado, e pronto: está autorizado a transformar ressentimento em número. É a versão digital de arremessar tomate no palco, só que agora a praça pública está no celular de cada um e o resultado é uma cicatriz na fachada de quem trabalha sério.
A verdade é que essas plataformas não foram feitas para avaliar, mas para engajar. E engajar, hoje, é mais fácil quando se odeia. É por isso que a resenha ácida ganha likes, e a reflexão ponderada morre anônima. Quem perde com isso não é só o bar: é o leitor que deixa de aprender, é o cliente que passa a desconfiar de tudo, é a própria ideia de crítica como algo útil.
Na coquetelaria, equilíbrio é tudo. E não deixa de ser irônico que, fora do copo, a régua da avaliação seja justamente o oposto: desequilibrada, extremista, binária. Entre uma estrela e cinco, não há espaço para o raciocínio. Só para o barulho.

Por isso, da próxima vez que alguém largar uma estrela como quem cospe no chão, talvez valha inverter a pergunta: o que esse gesto diz sobre o bar? Pouco. O que ele diz sobre o crítico? Tudo. Porque, sejamos francos, não é o bar que sai diminuído com uma crítica rasa. É a crítica que se apequena.
 
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