"Minha arte é um libelo contra a desumanidade"
Cantor, compositor e multi-instrumentista mineiro afirma que a civilização está fora dos trilhos e que as guerras atuais são repetições de capítulos da história
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Nascido em Belo Horizonte, o cantor, compositor e multi-instrumentista Marcus Viana foi convidado do programa EM Minas, levado ao ar pelo SBT Alterosa, apresentado pelo jornalista Benny Cohen.
O artista é filho do maestro e professor Sebastião Viana, ex-regente da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e também ex-revisor e assistente de obras do maestro Heitor Villa-Lobos. Em entrevista ao apresentador, Viana, fundador dos grupos Sagrado Coração da Terra e Transfônica Orkestra, falou sobre sua carreira. Confira a seguir os principais trechos.
Você é cantor, compositor e multi-instrumentista, o que você não fez até hoje, Marcus Viana?
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Tenho vontade de escrever um livro, mas acredito que as letras das minhas músicas, em meus discos, são meus livros. Minha arte toda é um libelo contra a desumanidade e a favor da cultura da paz e ecologia. O próprio nome Sagrado Coração da Terra, Gaia, aquele ser que personaliza o espírito do planeta Terra. Se é que ele existe, é feminino, a nossa Mãe Terra. Moro atualmente no santuário da natureza, onde seria uma cidade cenográfica nos anos 1950, bem em frente a uma cordilheira que é o que me segura para que eu não bata os pinos, pois nossa civilização está, definitivamente, fora dos trilhos.
Isso influencia de forma direta a sua música?
Totalmente. Nesse período que a gente está vivenciando todos os problemas com a Terra, ainda temos de conviver com duas guerras. Isso porque não somos capazes de resolver os nossos problemas. Mais uma vez, repetimos os capítulos da história, pois, desde o início da civilização humana, a gente se pega de porrada. Então não é essa situação agora aflitiva de dois povos, são os seres humanos que não se entendem desde o início da civilização.
Como você entrou para a música?
Ficava ouvindo meu pai (Sebastião Viana) revisando as obras e ouvindo os discos de Villa-Lobos. Ouvia “Erosão”, “Uirapuru”, “Sinfonia do Amazonas”, a música dele é muito telúrica. É como se fosse trilha sonora de filmes de formação do Planeta. Eu nem dormia de noite e minha mãe dizia: “Você precisa parar de ouvir essas músicas, é o fim do mundo”. E meu pai justificava: “Não é o fim do mundo, é o começo, o planeta está se formando”. Mal sabia ele que eu estava tendo a minha formação. Com o que fui mexer mais tarde? Com imagens sonoras. O que um cara de trilha sonora faz? Ele sonoriza imagens, e a minha formação toda foi com aquela música entrando em mim e trazendo imagens apocalípticas, da formação geológica do planeta, mas reais para a minha formação.
A trilha sonora da novela “Pantanal” é a sua obra mais conhecida?
Eu tocava com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e fui desenvolvendo minhas habilidades. Até que, um dia, ouvi o grupo Saecula Saeculorum e disse: quero mexer com isso. Comecei a tocar com o grupo, até que acabou, e aí começou o rock progressivo, que é a mistura do clássico com o rock. Comecei então a eletrificar meu violino e fundamos o Sagrado Coração da Terra, até que, um dia, fiz um especial para a extinta Rede Manchete. O (diretor) Jayme Monjardim viu, gostou e me convidou para ser parceiro dele. “Você vai fazer meus trabalhos”, disse. Ia ser para “O crime do Padre Amaro”, mas acabou sendo uma sinfonia com a natureza. Aí, mudou a minha vida.
Qual é a sua maior referência musical?
O rock progressivo teve uma influência muito grande em parte da minha carreira. Mas Villa-Lobos teve uma influência maior na minha formação com as trilhas sonoras, e eu não sabia. Depois, medindo, vendo as coisas, é que pude perceber isso. Por exemplo, as (trilhas das) novelas “O clone” e a “A casa das sete mulheres” foram regadas a um tonalismo que veio dessa mistura da tradição europeia clássica e Villa-Lobos, que foi o nosso Brasil erudito. Meu pai pode até ter feito essa transfusão de “sangue espiritual”, mas, pensando bem, diria que a minha influência foi isso. E os grupos ingleses de rock progressivo Yes e Gênesis transformaram a minha vida, a ponto de eu ir até a casa deles, na Inglaterra.
Teve algum momento da sua carreira no qual você pensou em desistir da música?
Felizmente, não cheguei a passar por isso. Mas, infelizmente, é difícil viver de música em Minas Gerais. Belo Horizonte é uma caldeira. O Sérgio Dias, guitarrista dos Mutantes, já dizia que BH é um vulcão musical.
Como você analisa a música que hoje é mais popularmente consumida?
O meu conhecimento de música é intuitivo. Todos os meus sucessos foram uma tremenda sorte, primeiro por ter conhecido uma cara que soube me valorizar e tirar o melhor de mim, que foi o Jayme Monjardim. Então, divido um pouco a questão da minha sorte, de ter uma pessoa e também de trabalhar com o parceiro correto. Segundo, que ele também era intuitivo e as coisas eram criadas na hora. Vou comparar com o remake de “Pantanal”, parece que hoje o povo tem vergonha de ser épico. Hoje tudo é mais contido, mais mental, mais racional, com uma visão mais comercial.