A 28ª Mostra de Tiradentes chegou ao fim, no sábado (1º/2), sem resposta objetiva para o tema desta edição: “Que cinema é esse?”. O propósito, diga-se, nem era encontrar tal resposta, mas destacar a diversidade da produção brasileira contemporânea, com novas abordagens, personagens e estéticas. Foi o que se viu na premiação das mostras competitivas.


Em “Olhos Livres”, o escolhido pelo júri oficial foi “Deuses da peste”, de Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado, coprodução entre Minas e São Paulo A trama se passa em um antigo casarão na capital paulista, onde vive um velho ator shakespeariano exilado dos palcos. Mergulhado em melancolia e solidão, ele sonha com a peste e o fogo se alastrando pelo país. Sem que perceba, uma estranha comunidade começa a se formar em torno dele.



"Esta premiação representa uma vitória da coletividade”, diz Gabriela Luíza. “Neste momento em que estamos tão divididos e atomizados, em que nossos laços nos são retirados, em que parecemos todos definhar para nos tornarmos um banco de dados sob controle e manipulação das plataformas digitais, o fato de reunir pessoas para um trabalho criativo em comum ganha a dimensão de ato político”, reforça a diretora.


“Este filme nasceu de um gesto e, de certa forma, se reduz a esse gesto, voltando sempre a ele: o encontro para se manter são e vivo durante os dias conturbados e extremamente tensos das eleições de 2022”, completa Tiago Mata Machado.

Equipe do filme 'Deuses da peste' recebe o prêmio do júri oficial da mostra 'Olhos Livres'

Leo Lara/divulgação


O vencedor da mostra “Aurora” foi o média-metragem sergipano “Um minuto é uma eternidade para quem está sofrendo”, de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro. Tão longa quanto o título é a descrição do filme pelos diretores: “Depressivo. Virginal. Antibolsonarista. Cinéfilo. Religioso. Pornoteórico. Centrípeto. Vegetariano. Amante da literatura. Proto-suicida. Indiscreto.”


O filme acompanha a rotina de Wesley, codiretor da produção, que sofre de depressão e angústia constantes. Tais sentimentos vão se mostrando à medida em que cenas da intimidade de Wesley são compartilhadas.


A produção é simples. “O filme foi feito no auge da pandemia com um celular de R$ 300”, conta Wesley Castro ao Estado de Minas. “Eu estava sem emprego, no meio da pandemia. Então, todas aquelas cenas depressivas são reais, estava realmente pensando em me matar. Mas a necessidade de me manter vivo me fez mandar as imagens para o Fábio (Rogério), que transformou todo o material bruto nesta beleza de filme”, diz.



Quebrando tabus



Já a mostra “Autorias”, que tem caráter “anti-individual”, de acordo com a curadoria, premiou “Parque de diversões”, de Ricardo Alves Jr. Sexo é o tema central. Há, inclusive, cenas de sexo explícito, que, de acordo com o diretor, desmistificam o ato sexual e quebram tabus.


Na trama, um grupo de desconhecidos vaga por Belo Horizonte em busca de encontros sexuais. Eles invadem um parque e o transformam em local de desejo e exploração. A produção se inspirou em fatos ocorridos no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, quando o local se tornou ponto de encontro da comunidade gay nas décadas de 1940 e 1950.


Outras produções premiadas foram “3 Obás de Xangô”, de Sergio Machado, escolhido pelo júri popular como Melhor Longa-metragem; e “Dois Nilos”, de Samuel Lobo e Rodrigo de Janeiro, eleito Melhor Curta pelo júri popular.


O Prêmio Helena Ignez, dedicado ao destaque feminino da Mostra de Tiradentes, foi entregue à atriz Ticiane Simões, pela atuação no curta “Entre corpos”, de Mayra Costa.


Na categoria Work in Progress (WIP) do programa Conexão Brasil CineMundi, “A voz de Deus”, de Miguel Antunes Ramos, recebeu os prêmios Cinecolor e O2 Pós. O Prêmio Málaga WIP foi para “Morte e vida Madalena”, de Guto Parente.

Circuito comercial



Muitos filmes exibidos no festival (foram 140 ao todo), inclusive os premiados, dificilmente ficarão em cartaz no circuito comercial. “‘Um minuto é uma eternidade para quem está sofrendo’ não deve entrar por causa do caráter experimental”, comenta o codiretor Fábio Rodrigo.


“Além disso, tem muita cena de nudez, citações de suicídio e tudo mais. Então, acho que não vai rolar estreia no circuito comercial. Mas se outros festivais quiserem exibir…”, complementa o diretor Wesley Pereira de Castro.

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