Quando algo se quebra, há dois caminhos: deixar os cacos onde estão ou tentar remontar o que se partiu. Essa escolha vai muito além da materialidade. Vale também para o campo político, social e afetivo, conforme mostra a bailarina, coreógrafa e professora de dança Dudude Herrmann no espetáculo “Q BRÔ”. A performance estreia no Teatro 2 do CCBB-BH nesta sexta-feira (20/6), seguindo em cartaz até 7 de julho.
Dudude divide o palco com a bailarina Lina Lapertosa na performance marcada pelo improviso, com o jogo cênico trazendo todos os significados que o verbo “quebrar” carrega.
“Se uma floresta foi destruída, vamos fazer a retomada e replantar. Se um corpo está entristecido, vamos fazer a construção do desejo. Tudo isso está dentro do espetáculo. O mais curioso é que não tive dúvida sobre este nome em momento nenhum. Ele foi nosso guia para manter a integridade nos tempos de hoje e para entendermos como chegar à ponta do agora de maneira íntegra, com desejo de seguir no ofício, seja ele arte ou não”, explica Dudude, que assina a direção da apresentação.
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Ao som de Patti Smith, Max Richter e Ryuichi Sakamoto – canções entremeadas por textos autorais de Dudude Herrmann –, as bailarinas se entregam a movimentos que trazem à tona as respectivas vivências na dança.
Ambas pertencem à mesma geração, mas desenvolveram experiências artísticas diferentes. Dudude teve sua formação no Trans-Forma Centro de Dança Contemporânea, que renovou a cena belo-horizontina na década de 1970.
Medicina e balé clássico
Lina, além de bailarina, é médica ginecologista. Vem do balé clássico, foi estudante, professora e primeira mulher a ingressar na Companhia de Dança do Palácio das Artes. As duas chegaram a se encontrar nos anos 1980 e até planejaram desenvolver algum trabalho juntas. A ideia, porém, só saiu do papel quatro décadas depois.
Ainda que uma apresentação de dança de duas mulheres com mais de 60 anos seja carregada de significados, “Q BRÔ” não pode ser considerado espetáculo “60+”, de viés antietarismo.
“Não se trata disso. É um trabalho de arte, que vai além desses conceitos. Porque esse é o meu ofício”, explica Dudude.
No entanto, não dá para desconsiderarmos a força poética daqueles dois corpos no palco, principalmente em se tratando de uma performance chamada “Q BRÔ”. É como se Lina e Dudude afirmassem que o corpo maduro, historicamente invisibilizado na dança, se tornasse, ele próprio, uma bandeira.
Discurso
O simples ato de dançar é um discurso forte, como se as bailarinas dissessem: seguimos presentes, nossos corpos seguem vivos, sensíveis, pulsantes, capazes de gerar beleza, reflexão e movimento.
Dudude e Lina começaram a esboçar o espetáculo em 2019. Lina fazia residência com Dudude em Casa Branca, Brumadinho. D experiência surgiu o convite e, já no primeiro momento, o nome da performance se impôs: enquanto as duas tomavam café, um prato caiu e se quebrou. Depois veio a pandemia, que esfriou o projeto. Quando a dupla planejava retomar o trabalho, Dudude quebrou a perna.
“Todas essas ‘quebras’ foram confirmando que o nome do espetáculo deveria ser ‘Q BRÔ’. São elas – não de maneira literal – que a gente leva para o palco. É a quebra do espaço, das partes e até de galhos, que deixamos em cena como elementos cênicos”, ressalta Lina.
“As rupturas vão se alternando com momentos mais tranquilos. O início da performance é bem tranquilo. No meu entender, é quando a vida está mais calma. Já a segunda parte é quando os problemas começam a aparecer e os caminhos vão sendo desviados, te levando para outros lugares”, acrescenta.
Momento único
Lina Lapertosa traça um pequeno roteiro, mas se trata apenas de tópicos muito mais no campo da abstração, pois o improviso é recorrente no espetáculo. Isso faz com que cada sessão de “Q BRÔ” seja única.
“Improvisos podem aparecer em cenas não esperadas, mas trata-se de um assunto que eu e Lina dominamos. A gente pode falar: ‘Não vou fazer tal coisa’, mas você já está lá, já farejou aquele espaço, porque tudo tem texto. Uma parede branca tem texto e uma parede pintada tem outro texto. A gente trata muito essa linguagem de arte e vida na improvisação”, afirma Dudude.
“Um mapa vai direcionando nossa composição, porque improvisação é isso: compor em tempo real. Quando essa composição entra em contato com a audiência, a gente tem de prestar muita atenção para não cair nas garras do agradar à plateia”, conclui.
“Q BRÔ”
Espetáculo de dança com Dudude Herrmann e Lina Lapertosa. Estreia nesta sexta-feira (20/6), às 19h, no Teatro 2 do CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Em cartaz até 7 de julho, de sexta a segunda-feira, às 19h. Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda na bilheteria e no site do CCBB.