Se você frequenta livrarias, é bem provável que já tenha cruzado com a obra de Antonio Obá estampado na capa de “O avesso da pele”, best-seller de Jeferson Tenório, ou de “Estela sem Deus”, do mesmo autor. O artista brasiliense inaugura nesta quarta-feira (25/6), no CCBB-BH, sua primeira individual em Belo Horizonte.


“Finca-pé: estórias da terra” reúne desenhos, pinturas, videoperformance e instalação, em que o artista propõe reflexões sobre a terra em múltiplas camadas. O elemento aparece tanto em sua dimensão geográfica – como território, solo e chão – quanto simbólica – como espaço de memória, histórias e experiências pessoais.


A curadoria é de Fabiana Lopes. “A exposição, para mim, é um convite. Um convite do artista Antonio Obá para acompanharmos suas reflexões sobre a experiência de estar na Terra e, ao mesmo tempo, suas experimentações estéticas”, afirma Fabiana.


A mostra parte das sensações que Obá vivenciou ao retornar a Brasília, sua cidade natal, depois de rodar pelas Américas e Europa com seu trabalho. “Foi um estalo que o corpo sentiu: o calor na pele, o vento batendo... Esse momento específico gerou uma série de obras. Senti uma relação muito afetiva com a terra”, diz o artista. “Vários pontos de virada no que eu estava fazendo vieram de estar em contato direto com a terra”, comenta.


Caderno de notas

A exposição começa com uma sala dedicada a desenhos antigos, além de cadernos de anotações que o artista mantém desde a escola. Nem tudo ali foi criado com a intenção de se tornar uma obra finalizada. São exercícios de linguagem, devaneios visuais e escritos que servem como forma de experimentação para o artista.


Na sala seguinte, ocorre o primeiro cruzamento com o trabalho do artista mineiro Marcos Siqueira. Marcos traz outro viés da experiência de estar na Terra, desta vez relacionado à Serra do Cipó, onde nasceu e vive até hoje. Ele faz da terra sua matéria-prima. “Os trabalhos que estão aqui falam das minhas vivências diárias, da observação das camadas das coisas”, afirma.

Seu trabalho tem um diálogo mais concreto com a terra, ele pinta com pigmentos naturais feitos da mistura de terra, cola e água, em tonalidades como rosa, verde, amarelo, cinza e até branco. As obras apresentam figuras humanas em estado contemplativo. Seja tocando instrumentos, soltando pipa, observando as estrelas ou saltando em poças d’água.


“Os pigmentos são um veículo que uso para chegar nessas representações de vivências. São representações que muitas vezes a gente não vive, mas imagina. Pinto para preservar memórias e para preservar aquilo que me traz felicidade”, diz Siqueira.


Crianças

Em uma das salas que divide com o mineiro, Antonio Obá apresenta uma série de desenhos em carvão retratando crianças. A série foi criada em homenagem a Ágatha Félix, menina de 8 anos morta por um disparo da polícia no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.


As figuras infantis aparecem como membros de um coral, com expressões enigmáticas. Não é possível discernir se estão cantando ou gritando. Quando a mostra esteve no CCBB do Rio de Janeiro, localizado em frente à Igreja da Candelária, os trabalhos ganharam novas camadas de significado.


“Meu processo de criação é uma miscelânea de experimentação técnica. Lecionei artes visuais por muitos anos e, quando tinha a oportunidade de realizar atividades práticas, era sempre com recursos muito limitados. Isso me levou a inventar possibilidades, a experimentar técnicas e materiais diversos”, explica Obá.


Na videoperformance “Encantado”, filmada no Altiplano Leste de Brasília, o artista aparece segurando uma cruz e vestindo uma roupa branca de tricô, como uma espécie de guerreiro medieval do Cerrado. O registro, segundo o artista, “traz a ideia do caminho como possibilidade de se reinventar. Esse caminhante, à medida que cumpre o trajeto, vai também se livrando dos pesos que carrega”.


Na reta final do percurso está a instalação “Ka’a pora” – termo em tupi que significa “aquele que habita no mato”. A obra é o ponto de partida conceitual da mostra. Composta por 24 esculturas de pés de bronze em escala humana dispostas no chão, a obra foi moldada a partir do próprio corpo do artista e criada especialmente para esta exposição.


A reflexão sobre identidade, memória racial e história perpassa toda a produção de Antonio Obá, mas o artista evita classificá-la de maneira simplista. “Digo que meu trabalho não é autobiográfico, mas autorreferente. Querendo ou não, vão ter coisas ali do Antonio, eu sendo essa figura, vivendo no Brasil, herdando todas essas complexidades históricas que existem no país. É impossível não pensar sobre isso, não dar uma resposta a isso. No entanto, tento fugir do espectro de transformar isso em algo panfletário”, afirma o artista.


“Acho que a arte não está aí para isso. Ela flerta com essas questões, ela dialoga, contextualiza e problematiza, mas não só. Ela aponta algo mais. Para mim, ela precisa de mais. Se não, perde totalmente o sentido”, conclui.


“FINCA-PÉ ESTÓRIAS DA TERRA”
Mostra de Antonio Obá com participação de Marcos Siqueira nas galerias do térreo do CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Desta quarta-feira (24/6) a 1° de setembro. Visitação de quarta a segunda, das 10h às 22h. Entrada franca, com retirada de ingressos na bilheteria ou no site do CCBB.

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