A circulação de artistas por meio de suas obras, catálogos e publicações diversas permite compreender os itinerários biográficos e simbólicos que constroem suas trajetórias nos mundos das artes. No Ceará, três exposições recentes, século 21, se destacam por abordar de forma crítica e poiética os sonhos e fluxos artísticos: “Carneiro” (MAC/CDMAC, Cassundé), “Se arar” (Cecília Bedê, Herbert Rolim, Lucas Dilacerda, Maria Macêdo e Adriana Botelho) e “Experiências paralelas: acervo em (des)construção” (Lisette Lagnado, José Eduardo Ferreira Santos, Yuri Firmeza, Debora Soares, Ismael Gutemberg, Diego di Paula, Dona Toinha, Paula Machado e Tércio Araripe). Todas foram estruturadas a partir de pesquisas no acervo da Pinacoteca do Ceará e dialogam com questões contemporâneas.

“Carneiro” toma como ponto de partida uma referência musical que evoca a migração de artistas em busca de reconhecimento nos grandes centros como Rio de Janeiro, São Paulo e Paris. A mostra explicitava os trânsitos e desterritorialização de artistas.

“Se arar” propunha um gesto curatorial ancorado em dimensões políticas e poéticas do território. O próprio título sugere plantar, fertilizar e germinar; a exposição se narrava pelos afluentes dos rios. Vale destacar que o acervo da Pinacoteca foi ampliado na pandemia por meio da Lei Aldir Blanc.

Centralidade e hegemonia

“Experiências paralelas” traz à tona o debate sobre as “histórias da arte”, problematizando a centralidade dos discursos hegemônicos e propondo abordagem curatorial referenciada nas micro-histórias. A circulação de artistas é tratada em um dos núcleos narrativos, mobilizando a ideia de vizinhança como chave para pensar as relações com os territórios das lutas da vida e da arte a partir do Ceará.

O conjunto das três curadorias oferece importantes reflexões sobre as transformações discursivas no campo artístico: não mais elaborar tramas dos artistas que partem, mas também incluir aqueles que chegam, vindos de diferentes regiões do país e do mundo, para compor os acervos, ser lastro de memória.

Nesse contexto, nos interessou observar a presença de artistas mineiros nos acervos cearenses, bem como suas participações em salões históricos. No Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc), fundado em 1961, fundamentado no lema “o universal pelo regional”, destacam-se nomes como Angelo Marzano, Conceição Piló, Frank Schaeffer, Inimá de Paula, Marcelo Silva, Paulo Roberto França e Rubem Grilo. A presença de Inimá de Paula merece atenção especial, pois ele participou da fundação da Sociedade Cearense de Artes Plásticas, na década de 1940.

Segundo pesquisa de Anderson de Sousa Silva, artistas como Ruth Werneck, Maurício Sampaio, Ana Horta, Enezila, Eymard Brandão, Muzzi, Luís Henrique Vieira e Márcio Sampaio marcaram presença no Salão Nacional de Artes, organizado à época pela Casa Raimundo Cela.

Mais recentemente, o projeto Nordeste Expandido: Estratégias de (re)existir (coordenação Jacqueline Medeiros), do Centro Cultural Banco do Nordeste, promoveu a aquisição de diversas obras, ampliando a presença de artistas mineiros na coleção. São eles Amilcar de Castro, Bordadeiras do Curtume, david de Jesus do Nascimento, Fernando Lucchesi, Frank Schaeffer, Karla Ruas, Lais Myrrha, Leandro Júnior, M. Cavalcante (Oswaldo Maranhão Cavalcante Jr), Marcos Coelho Benjamim, Márcio Julião, Maria Lira, Mário Mariano, Mauro Ribeiro Garcia, Pablo Lobato, Paulo Amaral, Rodrigo Mogiz e Yara Tupynambá.

Maria Lira, artista plástica do Vale do Jequitinhonha, foi selecionada para participar do projeto Nordeste Expandido: Estratégias de (re)existir

Lore Figueiredo/divulgação

Atualmente, está em cartaz na Pinacoteca do Ceará a mostra “MAM São Paulo na Pinacoteca do Ceará: figura, palavra e imagem” (Cauê Alvez e Gabriela Gotoda), que apresenta obras doadas pelo Clube de Colecionadores. Entre os artistas mineiros presentes estão Marco Paulo Rolla, Iole de Freitas, Rivane Neuenschwander, Cao Guimarães, Roberto Bethônico, Rosângela Rennó, Mabe Bethônico, Cinthia Marcelle, Marilá Dardot, Matheus Rocha Pitta, Farnese de Andrade e david de Jesus do Nascimento.

Memória do Mundo

Por fim, cabe mencionar o trabalho de Graciele Siqueira, museóloga mineira de Bocaiuva, formada e mestre em museologia pela Unirio. Ela atua no Mauc/UFC desde 2008. Destacamos que nesse período o museu conquistou o Selo Memória do Mundo da Unesco (2016).

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Graciele, diretora desde 2018, é figura central em processos de profissionalização, expansão de equipe, planejamento institucional e desenvolvimento de ações voltadas à acessibilidade, comunicação e democratização da cultura. Ela tem fortalecido a presença das mulheres, a produção editorial e as parcerias interinstitucionais.

* Doutora em história da arte pela Universidade de Paris 1 Sorbonne e professora de teoria, crítica e história da arte na Escola de Belas Artes da UFMG

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