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Premiado em Veneza, "April" chega ao catálogo da Mubi

Drama sobre aborto se passa na Georgia, em torno de uma obstetra que viaja por cidades do interior do país, para atender mulheres desassistidas

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“Se não for eu, vai ser outra pessoa.” O tom cansado e quase sem emoção com que Nina faz essa afirmação já não choca mais o espectador. Nessa altura de “April”, compreendemos que a missão da protagonista, questionável até para seus pares, reflete o que a sociedade da Georgia (não o estado norte-americano, mas a ex-república soviética) reserva para as mulheres ainda hoje.

Vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Veneza de 2024 e recém-lançado pela plataforma Mubi, “April” (Abril) é o segundo longa-metragem da diretora georgiana Dea Kulumbegashvili. É uma história sobre aborto. Mas a narrativa passa ao largo de produções como o recente “O acontecimento” (2021), adaptado da obra homônima da escritora francesa Annie Ernaux, em que autoridades antiaborto são diretamente criticadas.

O que torna tudo mais cruel é que o aborto é legal na Georgia, desde que solicitado nas primeiras 12 semanas de gravidez. Depois desse período, o procedimento pode ser realizado, sob aprovação de comitê médico. Mas a situação real é outra, é o que a cineasta mostra, em um filme duro e cheio de estranhezas.


Investigação

Nina (Ia Sukhitashvili) é uma experiente e respeitada obstetra. Só que ela está em apuros. Quando um bebê nasce morto após um parto normal que ela realizou, a médica se torna alvo de uma investigação exigida pelo pai furioso.

Os rumores que ele ouviu – e que nós logo sabemos serem verdadeiros – é que Nina realiza abortos domiciliares ilícitos nas aldeias do país. Isso coloca toda a sua atividade profissional em risco. “Esse emprego é a única coisa que tenho, de resto não sobra nada”, diz ela ao colega, e ex-namorado, responsável pela investigação.

Ainda que vivendo em uma grande cidade e trabalhando em um importante hospital, Nina viaja, por sua conta e risco, para vilas remotas da Georgia. Em comunidades rurais patriarcais, fortemente influenciadas pela Igreja Ortodoxa, meninas mal saídas da puberdade se casam a contragosto. O aborto é vergonhoso, algo de que não se fala. Muitas mal sabem o que é uma pílula anticoncepcional, e não raro famílias muito pobres têm um sem número de bocas para alimentar.

Nina realiza tais procedimentos em casa. Pouco sabemos sobre a personagem, que muitas vezes está fora da cena – sua presença é antecedida pela respiração sempre ofegante. Ela vive sozinha, procura homens desconhecidos para sexo violento e carrega um trauma de infância. No prólogo do filme, assistimos a uma figura estranha, um corpo careca e flácido, coberto de lama, sob um fundo preto. O som é de duas meninas brincando. Está tudo bem até que ouvimos uma delas: “Nina, onde está você?”.

Somente depois, a própria Nina, agora adulta, explica o incidente de sua infância. Brincando em um dos lagos de uma vila da Georgia onde passava férias, sua irmã mais nova ficou presa na lama. Nina ficou tão apavorada com a possibilidade de que a menina se afogasse que não conseguiu sair para buscar ajuda, tampouco entrar no lago para tirá-la.

A criatura pantanosa, algo surrealista, vai aparecer em outros momentos da narrativa. Seria um lembrete da culpa da personagem? Pode ser, mas isso não fica claro – não há respostas fáceis em “April”.


Bloco cirúrgico

Dea Kulumbegashvili tem um estilo realista. Filmou inclusive partos reais, como a sequência inicial, com a câmera imóvel no teto do bloco cirúrgico, acompanhando a chegada da criança natimorta que dá início à trama. A passagem mais forte é também com câmera estática, quando assistimos a Nina realizando um aborto em tempo real – só vemos as coxas e o abdômen da jovem, enquanto ouvimos a médica fazendo o procedimento.

“April” também sabe ser belo. Há longas tomadas panorâmicas da paisagem da Georgia, com as montanhas, campos de flores e o céu tomado por diferentes cores. Tais imagens são como um respiro, diante da dureza da história que está na tela.


FUTURAS ESTREIAS

Confira lançamentos previstos para este mês na Mubi


• “A colheita” (8/8)
Da diretora e produtora grega Athina Rachel Tsangari. Estrelado por Caleb Landry Jones e Harry Melling, o filme mostra o desaparecimento de uma comunidade agrária abalada pela chegada de forasteiros e pela ameaça da modernidade. O sinal de que algo está muito errado vem de duas grandes colunas de fumaça.

MUBI/divulgação

• “Hot milk” (22/8)
Exibido recentemente nos cinemas, o filme marca a estreia na direção de longas da britânica Rebecca Lenkiewicz, roteirista de “Ela disse”, “Desobediência” e “Ida”. Adaptação do romance homônimo da sul-africana Deborah Levy, acompanha mãe e filha.

Sofia (Emma Mackey) viaja com a mãe, Rose (Fiona Shaw) para uma praia espanhola. A mulher mais velha sofre de uma doença estranha, que pode ser física, mas também psicológica. Nesse cenário, Sofia tenta fugir da dominação da mãe.

• “Vice is broke” (29/8)
O documentário narrado e dirigido por Eddie Huang mostra, de forma irreverente e brutal, como era o tom das produções do próprio veículo, a ascensão e queda da Vice Media.

O grupo, que nasceu no início da década de 1990 como um fanzine punk no Canadá, se tornou um império de mídia, até decretar falência, há três anos.

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