Estamos em uma vila da Sicília. É final do século 19. Turiddu, um rapaz que anos antes deixou a vila para servir o Exército, retorna, à procura de seu affair, Lola. A moça, no entanto, está casada com Alfio, um mascate endinheirado.


Em outro ponto do vilarejo, Santuzza, que também teve um caso com Turiddo, fica sabendo do retorno do rapaz e vai procurá-lo na intenção de engatar um relacionamento. Quando descobre que ele está interessado em Lola, corre para contar tudo a Alfio, que jura vingança.


Esse é o enredo de “Cavalleria rusticana”, ópera de Pietro Mascagni que há 135 anos se mantém popular no mundo inteiro, ganhando novas encenações com frequência. A Fundação Clóvis Salgado (FCS) estreia nesta quarta-feira (6/8) a sua encenação, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes, com reapresentações na sexta, sábado e domingo.


Sob a regência de Ligia Amadio – que também assina a direção musical – e direção cênica de Menelick de Carvalho, a versão da FCS permanece fiel ao libreto original escrito por Giovanni Targioni-Tozzetti e Guido Menasci, baseado no conto homônimo de Giovanni Verga. A única diferença é a sutil dúvida que a encenação lança ao público: estaria Santuzza grávida?


A hipótese surge pela maneira como a personagem (interpretada pela soprano Eiko Senda) se comporta diante de Turiddu (vivido pelo tenor Matheus Pompeu), responsável por sua “difamação”. Santuzza se humilha e chega a aceitar agressões físicas, para permanecer ao lado dele.


Hipótese de gravidez

“Não há nenhuma referência explícita no libreto nem na partitura indicando que Santuzza está grávida. Mas, ao longo desses mais de 130 anos, diversas montagens já sugeriram essa ideia, insinuando que o desespero dela não seria apenas para encobrir a ‘desonra’, mas para garantir que seu filho tivesse um pai”, afirma Menelick.


“Particularmente, acredito que isso tenha passado pela cabeça dos autores. Acho que eles só não incluíram essa informação porque seria polêmica demais para 1890”, acrescenta o diretor cênico, lembrando que, poucos anos antes, Georges Bizet já havia causado escândalo com a liberdade sexual de “Carmen”.


Apesar de certas afinidades temáticas, “Cavalleria rusticana” se distancia de Bizet em vários aspectos, sobretudo por ser precursora do movimento verista, cuja proposta era retratar a realidade de forma crua, com personagens comuns e dramas cotidianos. Os veristas buscavam mostrar “a vida como ela é”, revelando hipocrisias sociais e códigos morais ultrapassados, muitas vezes com certa dose de ironia.


Na ópera de Mascagni, essa ironia se manifesta, por exemplo, na escolha do Domingo de Páscoa como o dia em que se passa a trama – justamente uma data que simboliza o amor, o perdão e a reconciliação. Especificamente na montagem da FCS, tal crítica se amplia para a cenografia, onde pequenas casinhas decadentes refletem o caráter das personagens.


Agressões

Na história, Santuzza vai à casa de Lucia (mãe de Turiddu, papel da mezzosoprano Bárbara Brasil) para saber do paradeiro do amado. Lucia hesita, mas acaba revelando que ele saiu cedo. Angustiada, Santuzza suspeita que ele tenha se encontrado com Lola (Sylvia Klein) e conta à sogra que foi seduzida e abandonada por Turiddu – e, por isso, foi excomungada.


Quando o rapaz aparece, ela o confronta, suplica e se humilha. Turiddu tenta desconversar, até explodir em fúria e agredi-la. Revoltada, Santuzza revela tudo a Alfio (Stephen Bronk), que promete matar o rival.


“Não gosto da Santuzza, mas a admiro. Ela se despe de todo orgulho. Eu admiro isso, embora não fizesse o mesmo”, diz Eiko Senda. “Mas ela age assim para que seu filho não nasça sem pai. É, na verdade, a força da mãe”, diz, reforçando sua leitura sobre a possível gravidez da personagem.


Quando estreou, "Cavalleria rusticana" conquistou o público rapidamente, por tratar de um tema com o qual as pessoas se identificavam. Além disso, “musicalmente, a ópera tem temas absolutamente maravilhosos e uma harmonia bem palatável”, observa a regente Ligia Amadio.


“A ópera italiana tem esse caráter horizontal nas melodias, diferentemente da ópera alemã, que tende a enfatizar as harmonias em um sentido mais vertical. Em ‘Cavalleria rusticana’, isso se revela especialmente pela beleza das melodias”, comenta o tenor Matheus Pompeu.


“Estava, inclusive, comentando com a maestra que essa ópera não tem nenhum momento fraco musicalmente. Não há trechos que a gente pense: ‘Isso poderia ser cortado’. Em algumas óperas, isso acontece. Aqui, não. Tudo está no seu devido lugar”, avalia.


Inscrição secreta

A regente Ligia Amadio conta que Pietro Mascagni compôs “Cavalleria Rusticana” em menos de dois meses. “Em Milão, havia sido criado um concurso para jovens compositores, e ele soube disso a apenas dois meses do encerramento das inscrições. Compôs a obra às pressas, mas não quis enviá-la porque não gostou do resultado. Foi sua esposa quem, sem ele saber, inscreveu ‘Cavalleria rusticana’.” A ópera venceu o concurso e tornou Mascagni famoso aos 26 anos.

“CAVALLERIA RUSTICANA”
Ópera de Pietro Mascagni. Regência e direção musical: Ligia Amadio. Direção cênica: Menelick de Carvalho. Com Eiko Senda, Matheus Pompeu, Bárbara Brasil, Stephen Bronk, Sylvia Klein, Orquestra Sinfônica e Coral Lírico de Minas Gerais. Nesta quarta (6/8) e sexta, às 20h; sábado, às 19h; e domingo, às 18h. No Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). Ingressos à venda por R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia), na bilheteria e pelo site da FCS.

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